Crónicas

O Medo

1. Disco: Bobby Gillespie juntou-se a Jehnny Beth e, com os Primal Scream a fazerem o fundo, lançaram “Utopian Ashes” que vai já para a minha lista de favoritos do ano. Duetos que contam uma relação que se arrasta e se desfaz. Sem lamechices, pois sabedor, charmoso e conhecedor das nuances do amor. O prazer que deve ter dado gravar este disco.

2. Livro: Não é a primeira vez que aqui falo de Arturo Pérez-Reverte. Saiu este ano “Cães Maus Não Dançam”, uma xenoficção policial, contada por um cão detective que investiga o desaparecimento de dois amigos. Negro, o nome do cão, tem todos os traços dos detectives, na boa tradição dos livros do género dos anos 50 e 60: duro, cruel, sem sentimentos, bebedolas e macho empedernido. Um grande livro.

3. Já aqui falei sobre o medo. Permitam-me que volte ao assunto, pois continuo a achá-lo pertinente.

O medo é a mais desconfortável das sensações que podemos sentir. Abafa-nos, tolhe-nos o pensar e amarra-nos, levando-nos à imobilidade. O medo e o susto — com as suas variações de ansiedade e fobias — fazem parte da nossa vida e todos sofremos, directa ou indirectamente, as suas consequências, no nosso dia-a-dia. Se o medo é mais constante, prolongando-se no tempo, o susto é mais imediatista. Mas ambos cumprem a sua função de nos manter atentos e alerta.

O medo é essencial, quando a ameaça que sofremos é real. O medo é terrível, quando o que nos atemoriza só existe na nossa imaginação ou é-nos induzido por outros sendo, assim, irracional. Sempre que confrontados com o desconhecido, com o que não dominamos, sentimos, de uma maneira ou de outra, medo. A coragem é a nossa capacidade de reagir e de nos adaptarmos.

Sabedores de tudo isto, os decisores recorrem ao medo como ferramenta de controlo de gestão. O uso do medo como instrumento de submissão evoluiu, nestes tempos que correm, para uma metodologia sofisticada que visa intimidar as pessoas e, uma vez introduzido o estímulo que o medo proporciona, administrar as suas reacções. É assim que tem sido, no modo como se tem lidado com a pandemia. Procura-se controlar, induzindo e deixando que o medo se alastre, ao invés de explicar e gerir a crise, assertivamente.

Sem crescer, o governo tornou-se muito maior. Maior na presença, porque lhe permitimos que nos restringisse liberdade (o que, por um momento, reconheço seria necessário) que tarda em nos devolver. O temporário torna-se, cada vez mais, definitivo e ao arrepio do primado do que determina a lei. Em nome de uma dita segurança, a maioria de nós está disposta a que as coisas assim sejam. Nunca as palavras de Benjamim Franklin fizeram tanto sentido: “aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade, nem segurança”.

Vendem-nos, e nós compramos, um significado político negativo, um viés da negatividade — aquela tendência que todos temos de permitir que eventos e emoções negativas nos afectem de modo muito mais forte do que o que de positivo nos acontece.

Isto não é novo. Se não fosse a crise pandémica, era outra crise qualquer. Vivemos sempre num estado de “crise sobre crise”, numa série interminável de ameaças, que se vão sucedendo, todas elas más ou menos boas, reais ou imaginárias, normalmente levadas com carinho pela mão dos “media” e cujas curas são, geralmente, bem piores do que a “doença”. Se há coisa de que quem nos governa está bem ciente é disto, deste facto básico que nos define. Disse-o Robert Higgs, com toda a objectividade: “sem o medo, nenhum governo conseguiria durar mais de vinte e quatro horas”. Medo incutido pela força, pela crença, pelo desconhecido, pela perda, pelo impasse, pelos impostos, pelo inimigo externo e pela crise, pela eterna crise.

Se por, um lado, o medo pode ser bom porque nos aguça os sentidos, por outro, não podemos ceder e deixar que nos condicione, sob pena de nos tornarmos dependentes de quem o usa para nos controlar.

4. Não sou pessoa de me queixar. Se bem repararam, mesmo falando por vezes de liberalismo, muito raramente trago para estas linhas o partido que escolhi conscientemente e do qual sou um dos dirigentes. Não penso que tenha sido para isso que me convidaram para aqui opinar. Há, por aí, muitos que escrevem na comunicação social que não podem dizer o mesmo. Cada um sabe de si.

Mas, a propósito de um escrito numa rede social por parte do meu companheiro Carlos Góis, permitam-me o desabafo. Dizia o Carlos que em democracia todas as candidaturas partem em igualdade de circunstâncias, cabendo aos eleitores decidir em urna do seu destino comum. E tem toda a razão. Na teoria. Na prática, isto não acontece.

Tenho muito presente a importância da comunicação social na divulgação da mensagem e das propostas dos partidos. Como também sei que aí se aplica o princípio do “quem tem mais leva mais e quem tem menos leva menos”. Embora discorde, vivo bem com isso. Os partidos pequenos não têm divulgação porque são pequenos e têm uma enorme dificuldade em deixar de ser pequenos, porque não têm divulgação. Fica assim montado um círculo vicioso, uma verdadeira “pescadinha de rabo na boca” politico-partidária.

O que me entristece, é o sentir que não há o mínimo esforço para que este estatuto, que divide os partidos entre primeira, segunda e terceira divisões, seja alterado de maneira a criar maior equidade na divulgação do que todos têm para dizer, do que têm para propor, como o determina uma democracia adulta, interveniente, propiciadora de debate e inteligente.

Sou membro de um partido que não se limita a ser reactivo. Nas últimas regionais, apresentámos um programa com 71 páginas com propostas muito concretas em 27 áreas, salvo erro. Fomos os primeiros, há coisa de um ano, a apresentar um programa de recuperação económica pós-COVID. Divulgámos há dias a Plataforma Liberal Autárquica, assumida como comum aos cinco municípios a que concorreremos, a partir da qual vão nascer os programas que terão em conta os particularismos de cada um deles. Isto só considerando os documentos com propostas mais importantes que produzimos até hoje.

Mais é impossível fazer. Por isso, partimos para esta corrida eleitoral que se avizinha com “armas” e recursos muito diferentes do que os que são dados aos de sempre. Não, meu caro Carlos, não partimos em pé de igualdade.

Faremos como a tartaruga, porque, como ela, sabemos que o caminho que temos pela frente tem que ser percorrido com passos certos e seguros. Porque isto é uma maratona, não uma corrida dos 100 metros.

5. Sobre as nomeações, colocações, admissões, indicações, de lugares na função pública, vamos sabendo delas, se seguirmos o JORAM, Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira. Há edições que não fazem mais nada a não ser nomear, colocar, admitir, indicar.

Perguntemo-nos por outro universo, onde não é preciso dar conhecimento público de tanta nomeação, colocação, admissão, indicação: as empresas do universo do Estado.

Sítios onde não é preciso indicar as habilitações para justificar o nomear, o colocar, o admitir ou o indicar. Verdadeiras agências de emprego do laranjal onde se nomeiam, colocam, admitem e indicam para cargos de responsabilidade com necessidade de conhecimentos, pessoas cuja única habilitação é a cor do cartão partidário.

As empresas públicas do universo Estado, na Madeira, estão feitas em agências de emprego do PSD, onde se colocam ineptos a fazer coisas que requerem aptidão técnica.

Se pensarmos bem, nada de novo.

6. Que não se fique a rir o PS que, em menor escala porque tem menos para oferecer, faz exactamente o mesmo, no seu roseiral. Uma moeda pode ter duas faces, mas é sempre a mesma moeda.