Análise

Razões de força maior

Tem dado jeito alegar desculpas mesmo que colidam com a verdade. Mas um dia tudo se sabe

Há sempre um motivo de força maior, por vezes, inexplicável, ao qual muitos recorrem para justificar o injustificável, para desviar atenções ou para antecipar desfechos. É um expediente como muitos outros, embora, dada a fragilidade da argumentação empregue nas desculpas, seja gerador de especulações.

Vivemos uma semana pródiga nesse registo e a vários níveis.

Por razões de força maior, os sul-africanos afectos a Jacob Zuma decidiram revoltar-se contra quem ganha a vida, como se a prisão do ex-presidente fosse a causa maior da violência gratuita, da criminalidade assustadora e da pilhagem em larga escala. Sejamos sinceros. Há todo um histórico neste país que acolhe milhares de portugueses que sustenta a vaga delinquente. A instabilidade económica, a corrupção - que também envolve figuras que a Madeira bem conhece - e uma desastrosa gestão dos serviços públicos fazem sair das margens da pobreza os que têm fome de vingança, dando origem a conflitos sociais que tendem a agravar-se a uma escala global na ressaca da crise pandémica.

Por razões de força maior, o custo da habitação na Madeira tende a aumentar. Dizem haver uma crescente procura de estrangeiros, o que faz disparar preços e alarmes. O presidente do Governo Regional admite criar um mecanismo de compensação para garantir que os madeirenses não serão prejudicados, mas vai avisando que não consegue garantir casas para todos. Geralmente, num mercado liberalizado, as emendas são bem piores do que o soneto.

Por razões de força maior nem todos falam verdade. O bloqueio ao investimento privado em Machico é apenas um exemplo, entre muitos outros, de como nem todos os decisores públicos merecem o lugar que ocupam. Há um grupo empresarial que tem uma proposta concreta para edificar um hotel num espaço nobre e dois anos depois, já com pareceres no bolso, reuniões ao mais alto nível e promessas de cooperação nada se alterou porque há bronca com a legalização dos terrenos onde o Fórum está edificado. Este é o problema. Tudo o resto do alegado formalismo à manifesta falta de diálogo, são fugas políticas que penalizam empreendedores e contribuintes.

Por razões de força maior, ou seja, a retoma consistente do turismo, a pandemia entra em modo ‘segunda vaga’ nesta Região que tem tanto de exemplar, como de subversiva. Que o digam os que andaram meses à espera de ser chamados para serem vacinados e que, de repente, dão de caras com um ‘open day’ de AstraZeneca sem marcações, nem outras complicações prévias à inoculação. Os saldos chegaram à vacinação ou as que existem estarão quase fora de prazo?

Por razões de força maior - o legítimo direito à greve -, o caos nos aeroportos nacionais abriu noticiários. Ficou evidente a incapacidade das autoridades nacionais em governar e em fazer cumprir as normas sanitárias em vigor. Ficou comprovada a inabilidade comunicacional de algumas companhias aéreas em situações extremas. Ficou claro que o dossier da ‘Groundforce’ que deve salários e subsídios a quem trabalha é caso de polícia.

Por razões de força maior, o presidente foi de férias para onde quis, Canárias, e delas aceitou falar sem segredos, nem moralismos, que julga serem atributo exclusivo da esquerda. Tudo questionável e mais uma vez incoerente. Há uma percepção pública, fruto de declarações repetidas sem pudor, que este ano ainda devemos fazer férias cá dentro. Afinal, como lembra a campanha oficial: ‘A pandemia ainda não acabou – tenha umas férias seguras’.

Pela Madeira e arredores tem sido assim. Há sempre razões de força maior para levantar poeira de modo que nem o óbvio seja perceptível, para enterrar amianto na cerca mais conveniente ou para despejar sem escrúpulos terra no mar. Há sempre razões de força maior para que os medíocres se armem em eloquentes e os cadastrados se tornem candidatos à imunidade. Há sempre razões de força maior para dar expressão ao lado saloio dos que se autodefinem como ilustres, sobretudo quando são diminutas as possibilidades de, em condições normais, aqueles que são manifestamente insignificantes constarem entre os grandes.