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A iliteracia como fermento na instrumentalização do orgulho

Outrora, o pilar sustentatório do poder político foi o analfabetismo, embora nesses tempos, o cidadão não fosse, como hoje, maciçamente injetado de ilusões, e a sabedoria popular ainda assim, mantivesse alguma sentinela, insuficiente é certo. Com o advento da democracia, o ensino público, quase dizimou o analfabetismo, escolarizando-se a esmagadora maioria da população. Mas essa dinâmica, juntamente com fatores externos, trouxe consigo e introduziu na população, um “vírus” denominado de iliteracia e que podemos dizer, é assim como que um “upgrade” do analfabetismo. E nada é mais eficaz nos tempos atuais para um regime político ou emergentes partidos políticos populistas, que pretendam manter os seus cidadãos na escuridão interpretativa, como a implementação/manutenção de um sistema educativo cujo conteúdo os encaminhe (distraidamente) para a iliteracia. A fonte desta pretensão, no caso do regime político, tanto pode ter origem no próprio regime, como o regime ser instrumento de interesses que o tornam refém. Trata-se de uma enfermidade contemporânea que se instalou e afeta hoje um número esmagador de indivíduos, podendo levá-los à indiferença e ao desinteresse em face do autoritarismo, como até, pasme-se, pretender que a sua instalação se mantenha e perdure. É uma manifestação humana como defesa no enfrentar do medo, que tem a sua raiz no jejuar sobre a vivência democrática e seus valores, como sejam a liberdade, a participação, a igualdade e a justiça. A manipulação dos sentimentos, particularmente a emoção que decorre do orgulho, seja ele nacional, regional ou local, é uma das receitas chave para o surgimento das mais variadas formas de populismo. O discurso dirigido aos cidadãos é ausente de argumentação racional, usando o preconceito e o inimigo externo, entre outros, como base de escoramento do regime. Para o autoritarismo, a iliteracia apresenta-se deste modo como uma metodologia que permite estabelecer um vínculo entre quem governa e a grande maioria da população, impregnando a opinião pública de referências quiméricas, e que colidem com a edificação de anuências divergentes da democracia, e desse modo, a ação decorrente da reflexão crítica, dificilmente se revelará. Já o orgulho, que é pai de todos os vícios e tem como filho mais poderoso o egoísmo, é fonte de poder na exploração da ignorância. É incentivado pelo regime autoritário/populista, como fontanário de aproveitamento político, glorificando cidadãos que se notabilizam em áreas que do ponto de vista da evolução civilizacional são de profunda esterilidade. Estes deuses de gesso, são instrumentos fundamentais de uma política autoritária e populista que materializa o seu endeusamento, erigindo-lhes estátuas, atribuindo-lhes o nome a ruas e/ou infraestruturas públicas, onde o povo, destituído de pensamento crítico, se revê. O orgulho é sempre potencialmente prejudicial, mas quando ampliado a uma nação ou região é um profundo inimigo de si próprio, já que reflete uma devoção artificial de si mesma, configura o contexto que se basta, que se admira nas suas obras, que se vê em qualidades que não tem e diligencia para que os outros compartilhem da opinião que tem de si mesmo. Quando plasmado a uma região pequena, o seu efeito é ainda pior, pois torna mais pequeno aquilo que já é minúsculo. A consequência é o fechar-se em si própria, não percebendo, pois está permanentemente “desatenta”, que há muito mais para lá do seu horizonte. Mas o regime autoritário/populista está atento, e usa e promove este orgulho, doseando-o com uma ação governativa bipolar, ora fazendo uso do orgulho (nacional, regional ou local) para efeitos domésticos, ora exercendo uma postura próxima de um “Robin dos Bosques”, reivindicando ao exterior o que diz não ter e precisar, quando na realidade até é capaz de ter, mas falta-lhe porque distribui sem isenção. Este regime que promove e manipula o orgulho, sabe que o mesmo está sempre de atalaia na captação de almas instáveis e pouco seguras, estimulando disfarçadamente a “hesitação”, e ilusoriamente, justificando que é apenas uma maneira própria de ser ou a existência de dignidade e/ou autoestima. E quando os tempos atuais e os que se que se avizinham, se afiguram terreno fértil para o aparecimento e ascensão de populismos, entende-se a importância da nobreza que se exige ao ato de governar, já que pode suplantar o orgulho e combater a iliteracia, evidenciando que, governar é servir o bem comum, e fazê-lo é contribuir para semear o bem sem olhar a quem.