Crónicas

Administração pública

1. Disco: as japonesas Chai lançaram “Wink”. Neste seu terceiro trabalho, podemos dizer que o seu “punk goes pop” e é, para mim, o seu melhor. De um registo mais duro, passam para um som muito mais melódico e trabalhado. Confesso-me apreciador de muito do que vem, musicalmente, do extremo-oriente, e este disco é de encher as medidas.

2. Livro: “A Guerra Fria”, de John Lewis Gaddis, é um relato escrito com muita clareza do que foi o período que mediou entre o final da II Grande Guerra e a queda do comunismo soviético. Uma abordagem contextualizada apoiada na história, nos matizes ideológicos e nas necessidades da estratégia. Se hoje por aqui andamos, para o compreendermos, a leitura deste livro é imprescindível.

3. Max Weber (21.04.1864 – 14.06.1920) foi um dos fundadores da sociologia e teve grande influência na economia, no estudo das religiões, no direito e na ciência política, mas é devido à sua teorização das questões da administração que o trago aqui. Weber escreveu sobre o modo como surgiram as estruturas de administração a partir de formas organizacionais mais tradicionais e a sua crescente influência na sociedade moderna. Ainda hoje os seus escritos são de uma enorme actualidade, embora seja um desconhecido para quem gere a administração pública. Infelizmente.

O pensador definiu a burocracia como um tipo de estrutura administrativa, desenvolvida por via da autoridade política que deve ser sempre racional, apoiando-se em pressupostos de legalidade bem definidos.

Weber propõe regras claras de funcionamento e controlo. São seis os propósitos definidos por Weber: as áreas jurisdicionais devem ser especificadas com clareza, e as actividades administrativas têm que ser vistas como funções oficiais; a organização segue o princípio hierárquico onde subordinados seguem ordens superiores, tendo sempre o direito ao apelo; as regras são estáveis, claras e podem ser facilmente aprendidas e as decisões são registadas em arquivos permanentes; os meios de produção ou de administração pertencem ao serviço, e bens pessoais estão bem separados dos bens da repartição; os funcionários são seleccionados com base na qualificação técnica necessária para o desempenho da sua função e recebem um salário adequado ao grau de responsabilidade e capacitação; o emprego na organização pública deve ser visto como uma carreira, o funcionário é funcionário a tempo integral e merece a estabilidade e a protecção da demissão arbitrária.

O modelo proposto por Weber é simples e facilmente perceptível, pois concentra-se na gestão dos recursos mais importantes. Um sistema de poder que exige lideranças preparadas onde a disciplina deve ser comummente aceite por todos (líderes, funcionários e público).

O sociólogo enfatiza que a forma racional/legal era o mais estável, confiável e claro dos sistemas, tanto para superiores como para subordinados, pois permite ao subordinado mais independência e discrição. Os subordinados, podem desafiar as decisões das lideranças, recorrendo ao determinado pela lei.

Uma das maiores preocupações de Weber tinha a ver com o modo como a sociedade pode manter o controlo sobre a expansão das burocracias estatais. Pensava que o maior problema não era a ineficiência ou a má administração, mas o aumento do poder dos funcionários públicos. Uma pessoa numa posição importante e altamente especializada, facilmente perceberá as dependências que cria com a sua experiência e pode extravasar o seu poder. Além disso, a tendência é de que a equipa possa começar a se associar aos interesses sociais especiais do seu grupo ou organização. Ainda hoje estes são assuntos que a todos devem preocupar.

Obviamente que, nos tempos que correm, aquilo que Weber definiu há mais de cem anos, pode falhar por defeito, mas as linhas mestras do pensamento sobre o modo como a administração pública deve funcionar, continuam de grande actualidade.

“No topo de uma organização burocrática, há necessariamente um elemento que, pelo menos, não é puramente burocrático para dar orientação política”, se este elemento for disfuncional toda a administração que lhe está dependente também o estará. E é precisamente aqui que está o problema: eleitos, ou nomeados politicamente, a determinar políticas de administração sem sentido, irrelevantes, que só complicam o bom desempenho da administração pública. É o que se vê mais por aí.

4. Os sindicatos da Frente Comum da Função Pública (CGTP/Intersindical) convocaram uma greve na semana passada. Reivindicam o aumento geral dos salários, a valorização das carreiras, a correcção da tabela remuneratória única e a revogação do sistema de avaliação de desempenho dos funcionários públicos (SIADAP). Não vou aqui discutir as virtudes do reivindicado. Sou dos que pensam que os funcionários públicos são demasiados e, por isso mesmo, mal pagos; que quantos mais forem, maior é a burocracia, para poder pôr cada um a fazer qualquer coisa; que a função pública é uma máquina pesada e muitas vezes disfuncional. E não, não estou com isto a dizer que se devem despedir pessoas. O que penso é que se não devem admitir mais, sem se fazer um estudo sério de conteúdos funcionais e uma reforma que torne a carga burocrática mínima e com sentido.

O que aqui me traz é a oportunidade da greve. Numa altura em que, no sector privado, são milhares os que estiveram em layoff, milhares os que perderam o emprego, isto não me encaixa, vindo do único sector da vida laboral nacional que não foi afectado.

Não consigo perceber isto.

5. Expliquem-me lá uma coisa como se eu fosse uma criança de cinco anos para ver se consigo perceber:

O Governo Regional tem decretado, nem vou discutir a bondade das decisões, medidas de “desconfinamento” da economia, muitas delas que já pecam por tardias. Segundo o determinado, as carrinhas e autocarros de turismo não podem ter mais do que 2/3 da sua ocupação. Ou seja, numa carrinha de 9 lugares apenas podem estar 5 clientes mais o condutor, porque os carros ainda não andam sozinhos. Logo à cabeça, grande parte da realização financeira do serviço vai para o estado sobre forma de impostos que, sem fazer grandes contas, andarão perto dos 50%. O mais interessante de tudo isto, é que esses clientes chegaram cá num avião cheio, todos com máscara, mas onde o distanciamento social não é cumprido. Desembarcam no aeroporto e tratamos de fingir que não estiveram várias horas encafuados num avião. E, depois, participam todos numa espécie de concurso “viemos juntos, mas já chegámos, por isso finge que não me conheces mesmo que tenhas vindo sentado ao meu lado”.

Um turista só pode fazer um “tour” de carrinha mediante a apresentação de um teste com resultado negativo, embora muitos deles já estejam vacinados. Se forem fazer um passeio de autocarro pela ilha, não há teste nem outras complicações.

Isto é entendível, ou sou eu que sou um complicadinho? Se calhar, sou.

6. No dia do debate mensal, passei parte da manhã a ouvir os senhores deputados e membros do Governo na Assembleia Regional.

Nem sei o que diga. É sempre o mesmo: perguntam-se alhos e respondem-se bugalhos, interrupções demonstradoras da incapacidade de dialogar (essa importantíssima ferramenta da democracia) e desrespeito, a arrogância dos donos da verdade.

E ainda há quem se admire com o afastamento dos cidadãos da política? Com exemplos destes.

7. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei” – Maquiavel, ou Getúlio Vargas, ou Benedito Valadares.