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“O povo de São Vicente tem direito a desenvolver-se” - ipse dixit

A frase que dá título a esta prosa, é do presidente da câmara municipal de São Vicente, tendo sido utilizada no passado dia 03.03., no programa “Interesse Público” na RTP-Madeira. O tema em apreciação, era a já famosa e controversa intervenção, prevista para a estrada de terra batida existente no Caminho das Ginjas e contou com a participação de instituições regionais e nacionais ligadas ao ambiente. Teve ainda o contributo do professor Hélder Spínola, assim como de um cidadão residente no referido concelho. Confesso que ao assistir, dei comigo a vivenciar sensações que vão desde a angústia ao riso. Angústia porque o referido presidente estava ali, sozinho (abandonado?), numa missão impossível, a defender o quase indefensável, sem a presença e o conforto, que no caso significaria solidariedade, por parte de alguém que representasse a Secretaria Regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas (SRARNAC), preferencialmente a secretária, que em nome do Governo Regional apoia e se prontificou a financiar a empreitada. E riso, porque houve efetivamente momentos que só podem ser classificados ao nível das piadas, como seja a insistência do edil, na (impossível) defesa da intervenção, de que o que os presentes no programa queriam, era fechar o acesso à Laurissilva, pois em qualquer circunstância as pessoas, inadvertidamente, transportariam para o local, sementes de plantas invasoras no calçado. Embora a sua presença no debate fosse obrigatória, quero felicitar o autarca pela sua frontalidade e arrojo em dar a cara, em lugar de fugir ao debate de ideias e argumentos. Mesmo sabendo, alvitro eu, de que o que defende não é benéfico, e refletirá uma (ínfima) parte da vontade da população de São Vicente. Já quanto à ausência da senhora secretária regional da SRARNAC, a não ser por motivos de força maior, é no mínimo lamentável e configura um péssimo serviço prestado à Democracia. É que o dinheiro para o projeto é público, e o local da pretensa intervenção também, condições que exigem não só o escrutínio através da cidadania, como também a defesa pública no confronto de fundamentos. Depois, o facto de diversas associações ambientalistas serem unânimes tanto quanto aos efeitos nocivos e irreversíveis na área de Laurissilva se a intervenção for avante, como ao considerarem que o estudo de impacto ambiental efetuado, é omisso, fraco e tendencioso, deveria levar as entidades oficiais envolvidas a refletir seriamente sobre o assunto. Já quanto ao direito da população de São Vivente de se desenvolver, ninguém, penso eu, estará contra. A questão é, como fazê-lo sem estragar a “joia” mais importante do concelho. A aspiração da população de São Vicente quanto a querer ver o seu concelho desenvolver-se é legítima e de apoiar, mas há que desviar essa vontade daqueles (poucos) que fomentam e usam o populismo para exacerbar a manifestação das emoções mais básicas do ser humano, levando-os a “pensar emotivamente” em lugar do uso da racionalidade, e instrui-la com modelos de desenvolvimento que não comprometam o futuro daqueles que depois de nós virão. O projeto em causa, a ter seguimento, não só representará um rude golpe na inestimável floresta Laurissilva, como previsivelmente não trará qualquer desenvolvimento/mais-valia ao município. Como foi, aliás, muito bem explicado por um dos intervenientes, os turistas e os locais, passariam a percorrer em viatura o que hoje fazem a pé, (significando isso até algumas dormidas no concelho), tornando o local de mera passagem, como hoje sabemos que acontece com a conhecida e também controversa estrada do Fanal. Curiosamente, de acordo com a narrativa dos detentores de cargos públicos defensores da intervenção, os vicentinos são os primeiros a quererem que a intervenção se concretize em nome do (ilusório) desenvolvimento. Se assim fosse, lamentavelmente constataríamos que aqueles que deveriam estar na primeira linha na sua defesa e proteção, eram afinal os seus coveiros. Se há vontade em seguir uma via de desenvolvimento (sustentável) seria conveniente começar por abandonar a retórica política populista e enveredar por um tipo de desenvolvimento que comece por promover o esclarecimento das populações. E isso traduz-se explicando às pessoas que não se deve destruir o que é único, dada a sua escala, excepcionalidade e importância, e que já nem sequer podemos dizer que é nosso. Pela sua singularidade, a floresta Laurissilva da Madeira, foi distinguida em 1999 pela UNESCO, como património mundial natural. A nossa responsabilidade é a de guardiões para a sua preservação, como ato de respeito pela natureza e pelas gerações vindouras.