Análise

Temos pena

Há expedientes que nos comovem. E a semana foi fértil na série ‘das coisas que nos dão pena’.

Temos pena que a administração pública regional jogue às escondidas com o dinheiro colectivo e que não seja transparente. Do Orçamento da Região saem 244 mil euros por ano para as contas bancárias de sete antigos políticos, que recebem uma média de 2.900 euros por mês de abono vitalício, mas ao contrário do que acontece no continente, não é possível conhecer os respectivos nomes. O proteccionismo já é património regional.

Temos pena da ingratidão social, incapaz de resolver a marginalidade crescente, as bolsas de pobreza e o abandono dos mais frágeis. Mas também aquela que é insensível ao melhor do jornalismo, à sublime oportunidade de nos cruzarmos com pessoas inimagináveis que nos libertam das rotinas e dos lugares comuns e nos transportam para domínios geradores de surpresa, de encanto e de realização profissional. Há quem tenha inveja dos desconhecidos que partilham páginas com notáveis.

Temos pena dos que têm memória curta e dos que se esquecem dos compromissos mediaticamente assumidos. O primeiro Centro de Inteligência Artificial na Madeira que ficará sediado na Ribeira Brava não disfarça um projecto caído no esquecimento, O ‘Brava Valley’, falado com insistência desde 2015, que em 2016 até mereceu elogios de António Costa, que em 2017 motivou a abertura de um pólo da Startup Madeira e que depois, com a excepção da âncora, a tecnológica ACIN, é aquilo que se sabe, pelas razões que alguns conhecem, perdendo o ímpeto inicial, hibernando quase por completo na era da coligação. Com jeito, num Governo às avessas, ainda culpam a ex-secretária da Inclusão pela falta de vitalidade e de pujança deste ‘Valley’ de lágrimas de tanto rir, embora todos saibam quem é que o tutela, mesmo que pouco, muito pouco.

Temos pena do desnorte socialista que num só dia tudo fez para comprometer a credibilidade enquanto projecto político. O PS, na versão de Filipe Menezes de Oliveira, foi mal dirigido, tendo promovido “um pequeno grupo de elite e criou divisões”, apontando desde já um caminho aos “derrotados da política” que serão, obviamente, “convidados a abdicar dos seus lugares e a darem lugar a novos protagonistas”. Atendendo a que só no grupo parlamentar há seis derrotados nas últimas autárquicas adivinha-se o impacto da depuração. O PS-M sem líder volta assim ao que era, ansioso por dar cabo de tudo o que foi construindo e conquistando.

Temos pena que nem todos sigam a lógica das empresas de ‘gaming’ que se unem para crescer 132% até 2030 e prefiram cultivar egoísmos doentios e escolher empresas convenientes.

Temos pena que os detractores escondidos no anonimato, tão especialistas em coisa nenhuma, não se assumam de uma vez por todas como alternativa a quem decide. Basta ir a votos. Se até o facto da Madeira que lhes dá de comer e que foi eleita pela 8.ª vez como ‘Melhor Destino Insular da Europa’ lhes dá asco pouco há a fazer no sentido de dar utilidade ao que se revela fútil.

Temos pena que a liberdade de expressão crie tanto incómodo aos que lidam mal com a diversidade de opiniões e se multiplicam em queixas e lamentos inconsequentes. Já deviam saber que não nos cabe gerir medos alheios e que somos imunes a todo o tipo de pressões, sobretudo as que são desprovidas de urbanidade.