Crónicas

O bom, o mau e o pântano

Vivemos tempos de fartura orçamental. Não acredita? Em Santa Cruz, dizem-nos que o orçamento municipal é o melhor de sempre. Em Santana, garantem-nos que o orçamento é histórico. No Funchal, o orçamento é, imagine-se, o mais importante do mandato. O Orçamento de Estado, pelo menos para a Madeira, é um dos melhores dos últimos 15 anos. O entusiasmo é tanto, que as próximas crises orçamentais prometem ser de vocabulário. Não haverá adjetivos suficientes para fazer jus à qualidade exponencial dos próximos documentos. Afinal, quanto mais pobre o povo, mais enfeitado é o orçamento.

O bom: Be Safe, Be Kind

Fique seguro, seja bondoso. É a proposta que nos fazem a Teresa Brazão e a Alice Fernandes, duas jovens madeirenses que imaginaram, e colocaram em prática, um projeto solidário para levar o Natal às crianças que residem em instituições de acolhimento. As crianças preenchem um cartão com o seu desejo, os interessados escolhem um dos vários cartões, de forma aleatória, realizam o pedido e a equipa do Be Safe, Be Kind encarrega-se de entregar a prenda à criança. A ideia da Teresa e da Alice já chegou ao Patronato de São Filipe, ao Lar da Paz e ao Aconchego. Ao todo, o projeto já ajudou mais de 70 crianças. Se há propostas que dispensam discussão, esta será uma delas. Porque quem já visitou qualquer uma destas instituições, sabe que, ali, a infância pesa. E uma infância sem Natal, pesa ainda mais. Que a Teresa e a Alice tenham a coragem e a vontade de não ficar por aqui. E que todos estejamos prontos para acompanhá-las. As crianças agradecem.

O mau: A nova TAP

Depois de uma nacionalização mal explicada, a TAP e os seus trabalhadores conhecem, agora, as agruras da gestão pública. Redução de 25% no salário de todos os trabalhadores. Pelo menos, 2 mil despedimentos, entre pilotos, tripulantes e pessoal de terra. Acordo assinado para a venda de oito aviões. Redução de toda a operação da companhia entre 30% a 50%. Ao devaneio de uma TAP transatlântica e competitiva, segue-se a depressão de uma TAPzinha. Mas não foi essa a história que nos contaram, nem o fim que nos prometeram. Nesse tempo distante, leia-se há seis meses, a nacionalização era uma exigência patriótica, uma crise que, no fundo, era uma oportunidade. Afinal, eram os postos de trabalho que estavam em causa, eram os turistas que deixariam de nos visitar, era a bandeira que deixaria de voar. Não podia ser. Então, imbuídos desse espírito pátrio, lá fomos enterrar os prejuízos da TAP nos nossos bolsos. Agora, o admirável mundo novo da TAP pública parece uma miragem, vista a partir de um plano de reestruturação do qual apenas se conhecem as consequências drásticas. Mesmo sem plano, agora que a TAP é pública, tudo se lhe permite. Despedir trabalhadores, mesmo recebendo apoios do Estado. Alguém sabe onde anda o Bloco de Esquerda? Ganhar dinheiro à custa dos voos de repatriamento de portugueses que fogem da Venezuela. Retirar trabalhadores do lay-off, apenas com o objetivo de os despedir. E enquanto o Estado brinca às companhias aéreas, importa relembrar que outras companhias aéreas já passaram pelo mesmo plano de resgate-reestruturação. Ao todo foram 12, nos últimos 16 anos. Sabe quantas sobreviveram? Uma.

O pântano: A votação do Orçamento do Estado

Ferro Rodrigues chamou-lhe trapalhada, mas, se calhar, a imagem de um pântano adequa-se melhor a toda a votação do Orçamento do Estado para 2021. Imprevisível, incoerente e indecorosa. A começar pelo facto do PS ter recorrido ao último partido marxista-leninista da Europa para viabilizar o seu orçamento. Seguido da crítica cínica do PCP à política de direita dos governos do PS, declarando-se força de oposição ao governo de António Costa. Depois, chegados à especialidade do Orçamento, o pântano adensou-se. O PCP acusou o PS de subtrair 70 milhões de euros ao Novo Hospital da Madeira e apresentou uma proposta que o impedia. O PS, que se tinha gabado que o orçamento mantinha a verba para o hospital, aprovou a proposta comunista. Em que ficamos? Venha daí o “fact check”. Para os socialistas, o Centro Internacional de Negócios da Madeira era assunto proibido no Orçamento, mas esteve quase a ser moeda de troca por mais dinheiro para o Novo Banco. O desespero e a flexibilidade socialista era tal que negociaram esse mesmo voto, ao mesmo tempo, com André Ventura e Joacine Katar Moreira. O PSD, que negociou com o Chega nos Açores, é fascista. O PS, que na Assembleia da República tentou negociar com André Ventura mais dinheiro para o Novo Banco, é o quê? No final, seria o primeiro-ministro a definir bem os termos da sobrevivência do seu governo: “Se não há cão, haverá gato”. Com António Costa, o princípio do dia anterior sucumbirá, sempre, à conveniência do assunto seguinte. Não há posições definitivas e, por isso, todas as posições são possíveis. Vale tudo e o seu contrário. Se foi esta personagem que convencionámos ser um grande político, talvez seja este o pântano que merecemos.

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