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(In)segurança nacional

Em Portugal, temos assistido a inúmeras situações que põem em causa a legitimidade das mais diversas forças de segurança

Como se tratasse de um ato de “último fogo de artifício”, terminamos este ano com polémicas associadas às forças de segurança portuguesas, mais especificamente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e agora a um elemento dos Serviços Prisionais.

Perante o escrutínio a que já foi exposto o caso do SEF, fruto da abominável tortura e consequente homicídio de Ihor Homeniuk, tornar-se-ia redundante aproveitar este artigo para comentar essa situação em específico, visto que as opiniões expressas seriam aquelas já manifestadas por inúmeras pessoas. Por isso, opto pela mais recente tragédia do país: o homicídio do agente António Doce da PSP pelas mãos do guarda prisional José Malengue, quando o primeiro, de folga, quis impedir uma situação de violência doméstica em que o segundo “arrastava” a companheira para o seu carro, tendo a situação terminado com o atropelamento mortal do agente da PSP.

Em primeiro lugar, com este artigo de opinião pretendo relembrar que, perante as circunstâncias, António Doce morreu como um herói. Foi um polícia que, no seu tempo livre, confrontou uma das formas de criminalidade mais ignoradas e negligenciadas em Portugal: a violência doméstica. E fê-lo apenas com o objetivo de defender a vítima, a fim de evitar que ela se tornasse em mais um caso a desaparecer entre as imensas estatísticas associadas a este crime. Pagou, por isso, o derradeiro preço pela atitude mais correta que qualquer cidadão, seja autoridade ou o não seja, deve tomar quando confrontado com situação semelhante.

Em segundo lugar, questiono que padrões de qualidade são estes pelos quais as nossas instituições se orientam. Não faz sentido realizar juízos de culpa sobre quaisquer instituições, porque, como é evidente, é impossível controlar todo um grupo de trabalhadores ao ponto de se saber o que lhes vai na cabeça em determinado dia. Contudo, estes juízos de valor tornam-se legítimos a partir do momento em que alguém que trabalha para o Estado numa função ligada à justiça, neste caso no cargo de guarda prisional, apresenta um currículo constituído pelo cumprimento de pena de prisão associada à condução sob o efeito de álcool e a antecedentes de violência doméstica que, pelo que se observa, continuam a se verificar. Mais deplorável e paradoxal ainda se torna a situação quando imaginamos que este individuo chegou a ser guarda prisional durante a semana e recluso aos fins de semana...

Em Portugal, temos assistido a inúmeras situações que põem em causa a legitimidade das mais diversas forças de segurança, desde a PSP ao SEF, passando pelos Serviços Prisionais, devido às ações de poucos. Neste sentido, importa lembrar que, embora estas instituições não tenham culpa direta destas situações, a têm de forma indireta através de mecanismos mais discretos. Estes passam, por exemplo, por tornar concursos de acesso à atividade profissional acessíveis a todos e ao permitir a permanência em atividade de profissionais mesmo depois de observados antecedentes criminais. No fundo, têm esta culpa por não manterem os padrões de qualidade no seu máximo e por permitirem que, ocasionalmente, uma ou duas “frutas podres” ingressem nas suas fileiras, causando, posteriormente, casos como o do SEF ou como o do guarda prisional.

Neste sentido, o que se precisa não são de enormes reformas e/ou da extinção do que já existe, ao estilo do que está a ocorrer no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. O que é necessário é o aumento do rigor direcionado à seleção de novos elementos para cada uma destas instituições, zelando-se pelo maior nível de qualidade possível e por padrões de excelência imbatíveis. Sem isso, não feito. Porque, sejamos claros, as instituições se fazem de homens e de mulheres de bem mais do que de leis ou reformas preparadas em gabinetes.

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