Análise

Podemos ser melhores

Há algum comodismo instalado numa sociedade anestesiada

A pandemia tornou-nos mais atrevidos em áreas antes mal dominadas, mais exigentes com quem tem deveres de protecção social, mais atentos à diversidade, mais obedientes às regras, mais dados ao planeamento, mais criativos, flexíveis e trabalhadores. Já éramos bons em tanto domínio e nem o vírus liquidou tamanho mérito e talento. Aliás, continuamos a ganhar ouro e prémios, a dar que falar e fazer, a tentar superar os obstáculos que se colocam com frequência na caminhada incerta. Mas podemos ser melhores, consistentes e inatacáveis. Já não basta que sejamos desenrascados. No lançamento do ‘Diário de uma peste anunciada’, livro escrito por António Barroso Cruz durante o confinamento, aquando do debate avesso ao politicamente correcto, ouvimos várias vozes, críticas da apatia generalizada de uma sociedade que sofre com a burocracia galopante; com novas tarefas que asfixiam sem dó os que já tinham pouco tempo para respirar e que em parte resultam do teletrabalho; com a falta do dinheiro prometido, mas que não chega às empresas sem ser sob forma de custo; com a irresponsabilidade política de quem ilude a população com números suspeitos e com datas ligadas à vacinação e à cura; com a leviandade de quem não observa princípios básicos na área da saúde; com a ingratidão de quem não aprendeu a ser generoso num tempo que requer atenção redobrada ao colapso social iminente e atitudes solidárias que possam minimizar estragos consideráveis.

O estranho comodismo numa Região que viu o motor da economia falhar, mesmo que pelo menos 25 mil não tenham sido severamente afectados pela crise, que vê os números do desemprego em alta, e que nota estar cada vez mais só porque quem devia lançar pontes ergue muros e quem devia negociar desliga a chamada, é enervante. Sobretudo para quem sente necessidade de ter esperança e ser referência para os seus, a quem tem de dar pão e ensino, emprego e futuro, salário e dignidade.

Podemos por isso ser melhores.

Na cobrança cruel daquilo que sendo anunciado não é concretizado, o que se faz pelo escrutínio permanente de declarações entusiasmadas, mas nem sempre pensadas e, em casos mais extremos, pelas manifestações pacíficas de desagrado pelo estado a que os mínimos atendíveis em determinados sectores da sociedade chegaram.

Na percepção do efeito multiplicador da cidadania madura e sensata, seja pela utilização convicta de máscara, como pela inversão de hábitos enraizados, que a manterem-se só contribuirão para o agravamento da grave situação em que vivemos.

Na abordagem descomplexada e sem tabus de assuntos pouco falados, mas reais.

Na informação isenta, menos formatada pelos itens dos boletins epidemiológicos, mais explicativa, verificadora incessante dos factos e denunciadora de práticas negligentes e clandestinas que lesam a vida. É o que temos feito.

No apelo ao exercício competente da função pública, capaz de dialogar antes de ostracizar e de solucionar em vez de ser um problema em si mesma. Neste contexto, as “trapalhadas” da política com sotaque madeirense em nada dignificam a luta comum, antes contribuem para o isolamento compulsivo.

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