Conto do túnel e dos relâmpagos (I)

Era milhares de viventes dos países ensoleirados de vinhas e encostas. Todos gostavam de aventuras e de festas populares. Viviam alegres com os seus amigos, colegas e famílias. Passavam o tempo em dezenas de atividades agradáveis que iam desde a vida de família ao emprego e aos muitos lazeres em que passavam as horas do dia e os fins de semana. Passeavam com os filhos, visitavam terras vizinhas e distantes, encontravam-se com amigos e conhecidos em arraiais, feiras e excursões. Liam histórias e jornais populares. Alguns de entre eles, não se entendia bem porquê, começaram a juntar-se quase só em comezainas e beberes de rodadas de agora pago eu, agora pagas tu; e de jogamos à bisca e quem perder paga mais.

Os tempos vão passando sem grandes problemas. Daí a vários anos, alguns andavam mais separados de quase toda a gente. Só se juntavam uns com os outros. Agora já uma parte deles se desinteressava da família, do emprego e ficando adoentados e se isolavam ou se juntavam com os que tinham vida como eles. Era como se vivessem sem outros interesses e atividades. Quase só em lugares tristes, mas não davam por isso. Os outros é que diziam. De manhã até à noite quase não saíam dos mesmos locais: levantar, ir ao bar, ficavam por lá duas ou três horas com estes ou aqueles companheiros de bebida. Iam deixando de aparecer no trabalho, perdiam o emprego por faltas. Às vezes era preciso que viesse um filho ou a mulher ao bar ou à rua dizer que era a hora do almoço. Esqueciam-se ou adormeciam. Os três ou quatro companheiros do bar ou dos bancos do jardim ao lado eram quase sempre os mesmos. À tarde passavam mais o tempo sozinhos ou voltavam ao bar para mais três ou quatro horas. Passavam semanas e meses que viviam nos mesmos locais sem qualquer outra ocupação. Quase já só gostavam de ir ao arraial de S. Martinho com as castanhas e a outras festas de arraial. Passado tempo até se esqueciam de ir para casa e começaram a ficar pela rua.

Viviam no túnel escuro cada vez mais estreito. O sofrimento aumentava, sem família, sem emprego, com dívidas e sem interesse por quase nada. Não davam por nada de interesse nem para um lado nem para o outro. Era como se vivessem no escuro. De todos os lados só vinha escuridão. Só lá para o fundo do túnel alguns viam uma luz pequenina e um ponto vermelho. O que seria? Às apalpadelas, notavam que paredes do túnel pareciam cada vez mais estreitas e esburacadas, mas não viam nada, talvez por ser de noite, pensavam eles. Às apalpadelas imaginavam que no escuro havia mesas, jarras e copos. E até sonhavam que alguns copos estavam cheios e bebiam, entornavam, escorregavam e caiam no chão onde dormiam.

Eram sonhos e pesadelos. Depois de trambolhões, pisadelas e algum sono acordavam tristes a pensar na miséria em que viviam. Nada lhes dava gosto de viver, aborreciam-se por já não haver copos cheios para esquecer tudo. A vida era pesada. Nalguns momentos ainda desejavam sair dali. Mas como e por onde e quem os podia tirar? Para trás não viam nada, para os lados só paredes escuras a cair aos bocados, pensavam eles. A única saída parecia ser para a frente donde vinha a luzinha muito pálida com o pontinho vermelho. Alguns para animar os outros diziam que só podiam sair para a frente pelo buraquinho luminoso. Alguns tentaram arrastar-se para lá sem conseguir. Nem admira, o túnel ia estreitando sempre mais em funil estreitar-se e a apertar, já nada cabia. (Cont.)

Aires Gameiro

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