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Crónicas

O Rei da superação

Lisboa vai perdendo a sua identidade e as razões porque é tão procurada. Vamo-nos vendendo ao consumismo

Na passada sexta-feira pudemos assistir à passagem mais brilhante do ciclismo português dos nossos tempos. No alto do temível Angliru, considerada por muitos a subida mais difícil do circuito mundial, em plena etapa Rainha da Vuelta (Volta à Espanha) o nosso João Almeida aka Bota Lume deu-nos mais uma incrível lição de superação, força e vontade impressionando mesmo os mais cépticos e “velhos do Restelo”. Com a sua equipa finalmente do seu lado (e que falta nos faz aqui e na vida termos uma equipa que nos ajude a subir as mais tenebrosas dificuldades) arrancou decidido nos últimos quilómetros deixando toda gente para trás. Todos menos Vingegaard, o dinamarquês voador que é considerado um dos dois melhores do Mundo e que lhe seguiu na roda, aproveitando o trabalho do português. Nos últimos metros, quando todos esperavam que o seu principal oponente desferisse um ataque mortífero o que acabámos por ver foi precisamente o contrário, percebendo-se aí que não era só o nosso João que estava no limite mas também o camisola vermelha que não teve forças para o ultrapassar aceitando assim a realidade dos factos como aliás se comprovaram as suas palavras no final, dando os parabéns ao vencedor e dizendo que o mesmo havia sido melhor e teria merecido a vitória na etapa que ficará para a história. E só não ficará mais porque Almeida ficou a um mísero segundo do recorde desta subida mostrando claramente ao que vem.

No final a emoção foi grande, sobretudo em alguns colegas de equipa e em muitos portugueses que o seguem afincadamente dando azo a choros e a muitos abraços de felicidade. É incrível de facto a forma como por vezes nos revemos em certas figuras do desporto e de outros mundos, vivendo as suas conquistas como se fossem nossas e vibrando com as vitórias como se de uma partilha se tratasse. E trata-se na verdade de um misto de sentimentos que nos identifica com os que lutam para serem maiores, os que vão ao limite dos seus limites e que encontram forças que não pareciam sequer possíveis mas também o facto de nos alinharmos com os que não se prendem à qualidade e à destreza inata mas que a trabalham dia após dia para se conseguirem superar e chegar mais além. Neste caso e para quem não sabe, o ciclismo é considerado um dos desportos mais violentos do mundo para não dizer o mais, dada a sua exigência física e mental as cargas brutais a que são sujeitos e a preparação que precisam de ter para estarem num pelotão super exigente. Neste dia que ficará marcado a letras de ouro na modalidade do nosso país, como disse e bem o especialista na matéria David Rosa “o único capaz de encostar às cordas desta maneira, Jonas Vingegaard era o melhor do Mundo, Tadej Pogacar, o outro acaba de ser João Almeida.”

No ciclismo como na vida, no desporto como nas relações humanas a capacidade de não desistir perante as adversidades, de por vezes cair e regressar mais forte e de nunca sucumbir mesmo quando o cenário não é animador, distingue os bons dos melhores e representa a consistência que precisamos de ter para manter um equilíbrio essencial para que o nosso registo se mantenha coerente. Se com o passar dos anos damos cada vez mais importância ao tempo e ao que nos rodeia, o trabalho que executamos para nos mantermos equilibrados com uma visão direcionada para objectivos concretos sem que um dia pensemos uma coisa e no outro queiramos outra faz de nós aquilo que os outros podem contar. É nesse trajecto que nos devemos inserir, sempre com respeito pelos outros, sempre com a identidade vincada e os valores no sítio certo mas sem abdicarmos do que queremos para nós e para o nosso futuro. É uma luta constante mas também um processo de aprendizagem permanente que no fim dá sempre os seus frutos. Seja porque atingimos o que sonhamos ou porque dormimos de consciência tranquila porque fizemos tudo para lá chegar.

Frases Soltas:

Lisboa vai perdendo a sua identidade e as razões porque é tão procurada. Vamo-nos vendendo ao consumismo impulsivo numa regra do “quem dá mais” sem protegermos a nossa história e os marcos que nos trouxeram até aqui. Desta vez foi a icónica Tabacaria Rossio a fechar, um ponto de encontro de diferentes gerações desde 1931 tendo sido uma as primeiras tabacarias clássicas da Baixa. Também o Beira Gare aberto há mais de um século despediu-se da capital portuguesa. O espaço famoso pelas suas bifanas dará origem a mais um hotel à semelhança da Ginginha sem Rival. Sinais dos tempos…

A tragédia do Elevador da Glória dá muito em que pensar e muito se escreverá sobre o assunto nos próximos meses. Sem querer alimentar teorias da conspiração a realidade com que nos deparamos é que a vida é o momento e que um dia estamos aqui e noutro partimos para a eternidade sem que nada o pudesse antever. O melhor mesmo é aproveitarmos enquanto podemos. Que se perceba rapidamente o que se passou quanto mais não seja pelo respeito que as vítimas nos merecem e para que o mesmo não volte a suceder.