Terá Vicente Pestana sido o autor da proposta de elevação do Caniço a cidade?
Na última quarta-feira, foi divulga a candidatura de Vicente Pestana, antigo deputado do PSD na Assembleia Legislativa da Madeira, à presidência da Assembleia Municipal de Santa Cruz pela coligação PSD/CDS. Uma das coisas afirmadas pela candidatura e a que o JM e o DIÁRIO deram expressão foi que Vicente Pestana foi o autor do projecto de decreto legislativo regional, que veio elevar a vila do Caniço a Cidade. Terá mesmo sido assim?
Com a publicação da notícia, na última quarta-feira, alguns leitores com envolvimento activo na política, incluindo do PSD, que integra a coligação, em mensagens directas com o DIÁRIO, vieram alertar para o que disseram ser uma imprecisão histórica da afirmação. Fomos, então, tentar perceber o que realmente aconteceu com a elevação do Caniço a cidade, há 20 anos., com base em diários das sessões da Assembleia Legislativa e em notícias da época, publicadas na imprensa regional.
O Caniço foi elevado a cidade pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2005/M, de 9 de Junho — aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa da RAM em 20 de Abril de 2005, assinado e mandado publicar pelo Ministro da República para a Madeira em 10 de Maio de 2005 e publicado em Diário da República n.º 111/2005, série I‑A.
Mas o referido decreto legislativo não foi o primeiro a ser aprovado, para elevação do Caniço a cidade, pela Assembleia regional.
A 27 de Julho de 2004, o parlamento regional aprovou um outro decreto legislativo regional para elevação do Caniço a cidade, na sequência de uma iniciativa do CDS. Mas a 3 de Agosto do mesmo ano, o Ministro da República para a Madeira devolveu o diploma ao parlamento.
Monteiro Diniz apresentou como argumento jurídico o facto de haver legislação nacional, que impedia a alteração de categoria de povoação “durante o período de cinco meses que imediatamente antecede a data marcada para a realização de eleições”.
Ora, o presidente da República marcou eleições legislativas regionais para 17 de Outubro. A decisão de Jorge Sampaio foi publicada em Diário da República no dia 2 de Agosto e a votação do DLR de elevação foi aprovado (como referido) a 27 de Julho, mas (também como referido) foi devolvido à Assembleia a 3 de Agosto. A devolução deu polémica, mas a verdade é que o documento ficou sem produzir efeitos legais.
Na altura da devolução, Alberto João Jardim disse que, na nova legislatura, o PSD ia apresentar uma proposta de elevação, "cortando" pela raiz o protagonismo que o CDS/PP quis assumir nesta matéria.
Na mesma altura, José Manuel Rodrigues do CDS criticou a decisão de Monteiro Diniz, do PSD, por ter atrasado a votação, e prometeu reapresentar uma proposta, no mesmo sentido.
Os dois partidos cumpriram o prometido e apresentaram propostas de elevação do Caniço a cidade.
A 22 de Fevereiro de 2055, o parlamento remeteu para plenário as duas propostas, que viriam a ser aprovadas na generalidade a 17 de Março.
No dia seguinte, 18 de Março, o DIÁRIO escreveu: “Apenas a ‘paternidade’ da proposta de elevação da vila do Caniço à categoria de cidade provocou alguma polémica, no parlamento regional. Ontem (…) a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou duas propostas, do CDS-PP e do PSD, que repetem uma decisão que já tinha sido tomada na Legislatura anterior”.
“PSD, CDS-PP e PS votaram a favor, enquanto BE e PCP optaram pela abstenção, uma vez que consideram que esta é, apenas, uma questão honorífica e que o importante seria a criação do concelho do Caniço.”
“(…) Entre PSD e CDS-PP, com duas propostas exactamente iguais, gerou-se alguma polémica sobre qual serviria de base para a discussão na especialidade. Uma mera formalidade, uma vez que os textos são praticamente iguais. Acabaria por ser a iniciativa da maioria social-democrata a servir de documento base.”
O texto, como vimos, foi aprovado no dia 20 de Abril. No dia seguinte, o DIÁRIO escrevia: “A ALM aprovou, em votação final global, com os votos favoráveis de PSD, CDS-PP e PS e as abstenções do PCP e do BE, a elevação da vila do Caniço à categoria de cidade. Uma ‘promoção’ que acontece pela segunda vez, depois de uma medida idêntica, proposta pelo CDS, ter sido aprovada na anterior Legislatura e anulada por chocar com prazos determinados pelos actos eleitorais.”
Nos diários das sessões, é possível verificar que os maiores protagonistas dos debates foram, pelo CDS, José Manuel Rodrigues e, pelo PSD, Vicente Pestana. Este, numa declaração de voto, reivindicava a autoria do documento para o seu partido.
Como se constata, a primeira iniciativa concreta na Assembleia Legislativa da Madeira, para elevação do Caniço a cidade, foi do CDS, ainda que tenha sido gorada por acção do Ministro da República, Monteiro Diniz.
No ano seguinte, CDS e PSD apresentaram propostas praticamente iguais. As duas foram aprovadas na generalidade. Depois, na especialidade, a base formal foi a do PSD, o que abre espaço a que se possa dizer que foram PSD e Vicente Pestana os autores. Mas não se pode esquecer que a versão final, além de ser quase igual à do CDS e do próprio PSD, contou com o contributo dos dois, depois das duas aprovações na generalidade e ‘fusão’ na especialidade.
Assim, avaliamos como imprecisa a afirmação de que Vicente Pestana é o autor do documento, pelo facto de ter contado com a iniciativa e contributo do CDS. A verdade é que os dois partidos fazem parte da coligação em Santa Cruz.