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Fact Check Madeira

Tornaram-se as estradas da Madeira “das mais perigosas de Portugal”?

Imagem meramente ilustrativa de problemas de trânsito
Imagem meramente ilustrativa de problemas de trânsito, foto Hélder Santos/ASPRESS/Arquivo

Já começa a ser hábito. Na manhã desta sexta-feira, o trânsito automóvel voltou a sofrer fortes constrangimentos nas principais vias de acesso ao centro do Funchal.

Entre os muitos comentários que, como habitualmente, a notícia desse facto suscitou, conta-se um a afirmar que ‘as estradas da Madeira se tornaram das mais perigosas de Portugal, muito devido à imprudência e à falta de respeito de alguns condutores irresponsáveis.”

Terá razão o leitor, quando faz essa afirmação, ou existirá algum exagero na mesma?

A Afirmação do leitor combina duas ideias bem distintas, que as estradas da Madeira se tornaram das mais perigosas de Portugal e que que essa perigosidade resulta sobretudo da imprudência e falta de respeito de alguns condutores.

A verificação que realizámos baseou-se em dados oficiais da Agência Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que foram complementados com informações da PSP da Madeira, da Direcção Regional de Estatística da Madeira (DREM) e do Instituto Nacional de Estatística (INE). Em alguns casos acedemos directamente aos dados das entidades referidas, noutros às notícias, que os trabalharam e divulgaram.

O Relatório Anual de Sinistralidade Rodoviária – 2023 (ANST) - revela que em todo o País foram contabilizados 36.595 acidentes com vítimas. Desses, 1.001 foram registados na Região Autónoma da Madeira.

De acordo com os dados do INE e da DREM, na Madeira existiam cerca de 259 mil residentes, o que dá um rácio de sensivelmente 386 acidentes por cada 100 mil habitantes.

Em Portugal os residentes eram 10,3 milhões o que corresponde a um rácio de acidentes de 355 por cada 100 mil habitantes.

Vejamos, agora, os números de mortes.

No mesmo ano, morreram nas estradas portuguesas 642 pessoas (número já corrigido, depois de o relatório inicial apontar para 479 – contabilizados as vítimas que morreram nos 30 dias seguintes ao acidente). Em 2024, houve na Madeira 3.845 acidentes de viação, que resultaram em 12 mortos (73 feridos graves e 1.158 feridos ligeiros).

Temos um rácio de mortalidade na Madeira que ronda os 4,6, o mesmo que acontece com o todo nacional (6,4 se considerarmos o número corrigido, mas considerámos o inicial - 479, para podermos fazer a comparação com a realidade regional).

Sobre as causas dos acidentes, foi a própria PSP quem, em Fevereiro deste ano, a partir dos dados de 2024, afirmou: “Os despistes são aqueles que mais contribuíram para a ocorrência de feridos graves e vítimas mortais, estando normalmente associados a excesso de velocidade ou velocidade imprópria para as condições da via. Enquanto não corrigirmos esta conduta não baixaremos estes trágicos números."

Também é verdade que, em 2024, a PSP nacional deteve milhares de condutores alcoolizados ou sem carta e afirmou que o “desrespeito pelas regras e sinais” é uma das principais causas de acidentes – logo, a segunda parte da frase está alinhada com o que dizem as autoridades policiais.

Como se verifica, a Madeira apresenta um rácio de acidentes com vítimas ligeiramente mais alto do que a média nacional (386 vs 355 por 100 mil habitantes).

Contudo, a mortalidade na Madeira é praticamente equivalente à média nacional, e não há evidência pública de que a Madeira se situe entre as regiões ou distritos com as mais elevadas taxas de sinistralidade grave/mortalidade.

Assim, afirmar que as estradas da Madeira “se tornaram das mais perigosas de Portugal” é exagerado: falta o suporte dos números para demonstrar que estão entre as mais perigosas em termos comparativos nacionais.

Já a parte da afirmação que atribui a sinistralidade aos comportamentos (“falta de respeito de alguns condutores irresponsáveis”) tem suporte factual, estatístico e é relevada pela própria PSP.

Em síntese, a Região tem uma sinistralidade rodoviária acima da média nacional em número de acidentes com vítimas, mas não mostra ter passado para o topo nacional no que se refere à mortalidade rodoviária. A causa comportamental associada à imprudência é válida – mas a classificação de “das mais perigosas” exagera o quadro.

Pelo exposto, avaliamos a firmação como imprecisa.

Uma nota final para alertar para o facto de, sendo a Madeira um pequeno território e de relativa pequena dimensão do parque automóvel, apenas um ou dois acidentes podem mudar a realidade do que aqui foi dito, em especial, no que se refere a vítimas, nomeadamente, as mortais.

“As estradas da Madeira tornaram-se das mais perigosas de Portugal, muito devido à imprudência e à falta de respeito de alguns condutores irresponsáveis” – A. Gomes, comentário em notícia sobre congestionamentos no trânsito do Funchal