A alma da música em tempo de IA
Rui Camacho e João Caldeira defendem tradição com inovação no ‘Madeira 7 Talks’
A primeira conversa da segunda parte da 8.ª edição do ‘Madeira 7 Talks’, dedicada ao tema ‘Sem Rede’, juntou no palco dois músicos ligados à preservação das raízes madeirenses: Rui Camacho, investigador etnomusicológico com décadas de trabalho na recolha da música tradicional, e João Caldeira, músico, compositor e educador musical, reconhecido pela valorização dos cordofones da Região.
O diálogo cruzou tradição, memória e futuro, num momento em que a inteligência artificial começa a desafiar também o universo musical. A dada altura, Eliano Marques, especialista em inteligência artificial, juntou-se por breves minutos à conversa, lançando a pergunta: como poderá a música tradicional reinventar-se tirando partido da IA? Defendeu que a inércia no sector “é facilmente ultrapassável”, desde que a tecnologia seja encarada como aliada.
João Caldeira reforçou essa visão, afirmando que a IA deve ser entendida “como uma ferramenta, nunca como um produto final”. Da plateia, Sara Jardim lembrou que, quando surgiram os sintetizadores, muitos temeram o fim dos pianos, mas a música acabou por ganhar novas possibilidades.
Rui Camacho manteve prudência: “Estamos aqui a ser colocados numa posição para a qual não estou preparado e que leva tempo. É preciso uma mente aberta para aceitar esta liberdade. Estamos sempre a recriar.” O músico sublinhou que a tradição não é estática e que a reinvenção acompanha naturalmente cada geração.
Foi então que João Carlos Abreu, entre o público, levantou a questão central: “Onde é que se situa a alma no meio de tudo isto? A criatividade, a emoção?” João Caldeira respondeu lembrando que a música tradicional recolhida por Rui Camacho permanece viva no tempo, ao contrário de muita produção contemporânea, mais efémera e descartável.
A curadora Nini Andrade destacou que a IA pode amplificar a criatividade, e uma espectadora deu o exemplo da democratização do acesso à cultura, defendendo que a tecnologia permite visitar museus virtuais que muitos nunca teriam oportunidade de ver presencialmente.
A conversa terminou em música. Rui Camacho entregou a viola de arame a João Caldeira e desafiou-o a tocar ali mesmo, “sem rede”. Foram distribuídos instrumentos de percussão pelo público e a sala uniu-se numa rapsódia simples, que começou com a ‘Primavera das Flores’, de Rosa Madeira.
No fecho, como resposta à pergunta sobre a alma, Rui Camacho resumiu: “A alma é aquilo que nós sentimos.”
O momento transformou-se numa celebração espontânea do encontro entre tradição e futuro: música feita em comunidade, com emoção — e, sobretudo, com alma humana.