As greves em Portugal são feitas sem avisos prévios?
Em dia de greve geral da Função Pública, os transtornos que esse tipo de exercício de direitos provoca, ganham dimensão. É longa a lista de comentários a notícias sobre o tema, nas redes sociais do DIÁRIO, em dnoticias.pt.
A meio desta sexta-feira, a notícia com o título ‘Greve dita dia de constrangimentos também na Madeira’ já contabilizava mais de uma centena de comentários. Um dos primeiros revelava alguma indignação e afirmava que, em Portugal, um dos problemas é que as greves surgem sem avisos prévios, o que provoca grandes contratempos à “vida das pessoas” e aos trabalhadores (não estando claro a quais).
Mas, terá razão quem afirma que as greves surgem sem aviso?
A verificação da veracidade do que é afirmado deve de ser realizada em duas vertentes: o que diz a lei e o que acontece de facto. Sobre o que diz a lei, as duas grandes fontes são a Constituição da República Portuguesa e o Código do Trabalho. Sobre a situação de facto, veremos algumas notícias e alguns sítios da Internet de sindicatos da Frente Comum, que liderou o processo de greve.
Antes, vejamos uma síntese dos referidos comentários.
Muitos comentadores criticaram o ‘aviso tardio’ das greves, afirmando que “apenas foram avisados às 18 horas” (de quinta-feira) ou “só souberam ao chegar à escola”, o que dificulta a organização dos pais que trabalham. Alguns destacaram que as greves ocorrem frequentemente à sexta-feira, interpretando isso como conveniência para prolongar o fim-de-semana.
Outros incidiram na defesa dos direitos laborais e recordaram que a greve implica perda salarial e que é uma forma legítima de luta.
Olhemos, agora, para o que diz a Constituição. O Artigo 57.º consagra o Direito à greve e proíbe o expressamente o “lock-out” (fecho ou paralisação decidida pelo empregador para contrariar os trabalhadores). A Constituição diz também que cabe aos trabalhadores decidir quais são os interesses que querem defender através da greve. A lei não pode limitar o objecto da greve (por exemplo, não pode dizer “só podem fazer greve por causa de salários”).
Não pode limitar e não limita, não sendo uma limitação a fixação de serviços mínimos em áreas essenciais, de que a saúde e os transportes são bons exemplos.
Os artigos 530.º e seguintes do Código do Trabalho dispõem sobre a Greve e o 533.º sobre o ‘Aviso prévio de greve’, é muito claro: ‘A entidade que decida o recurso à greve deve dirigir ao empregador, ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral um aviso com a antecedência mínima de cinco dias úteis ou (…) 10 dias úteis’ e ‘o aviso prévio de greve deve ser feito por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social’.
Foi este ponto que tentámos confirmar através de notícias e dos sítios da Internet.
Conseguimos identificar alguns pré-avisos enviados a um conjunto alargado de entidades, incluindo ao Governo Regional da Madeira. O caso da FENPROF é apenas um exemplo. Mas poderíamos ilustrar igualmente com o aviso do Sindicato dos Enfermeiros da Madeira, publicado na imprensa regional da Madeira no dia 19 de Outubro.
Também encontrámos múltiplas notícias a informar sobre a realização da greve desta sexta-feira, a primeira delas tem data de 29 de Setembro e diz: ‘Frente Comum anuncia greve da Função Pública em 24 de Outubro’.
A mesma entidade, a Frente Comum, no dia 11 de Outubro, a propósito do Orçamento do Estado para 2026, dizia: ‘Proposta ‘dá mais força’ à greve geral de 24 de Outubro’.
As notícias e os pré-avisos de greve foram surgindo. Os textos noticiosos ganharam dimensão em número, na quarta e na quinta-feira desta semana. Por exemplo, houve notícias da adesão do SPM, da secretaria da Saúde a dizer entender quer não há razões para greves na Madeira e do SESARAM a alertar para os previsíveis constrangimentos.
Como se pode constatar, as greves em Portugal não surgem sem aviso prévio. São integradas pela lei, desde a Constituição da República ao direito laboral, e seguem regras, entre elas, o aviso prévio mínimo de 5 a 10 dias, com divulgação apropriada o que, por regra, passa pela comunicação social.
É pois falso na Madeira ou no restante território nacional as greves sejam feitas sem aviso prévio atempado, o que não invalida que quem não leia, escute ou veja órgãos de comunicação social não possa ser apanhado desprevenido. Mas isso não torna verdadeira a afirmação.