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Fact Check Madeira

Será que um avião que colide com aves deve sempre abortar a viagem?

Imagem Madeira Aviation Spotting
Imagem Madeira Aviation Spotting

Na passada quinta-feira um avião da companhia Condor, que se preparava para descolar do Aeroporto Internacional da Madeira para Leipzig (Alemanha) colidiu com uma ave (‘bird strike’). As imagens do incidente, partilhadas pelo canal de Youtube 'Madeira Aviation Spotting’, mostram chamas e fumo a saírem, num pequeno momento, do motor atingido. Mas a aeronave seguiu rumo ao seu destino. O que levou alguns cidadãos nas redes sociais a afirmar que o mais seguro teria sido interromper a viagem e procurar o aeroporto mais próximo. Será mesmo assim?

O DIÁRIO colocou a questão a José Correia Guedes, antigo comandante da TAP, autor de vários livros sobre aviação, que abordou o problema de forma genérica, por não conhecer as circunstâncias concretas do incidente com o voo da Condor. Segundo este ex-piloto, este tipo de situações “acontece com alguma frequência” e não é pelo facto de se observarem chamas num motor que a viagem deve ser interrompida: “O reactor tem um 'soluço' mas depois continua a funcionar bem. Se os instrumentos de bordo e os parâmetros dos motores (pressões e temperaturas) estiverem normais - acredito que foi isso que aconteceu -, eles podem perfeitamente seguir viagem e não há razão nenhuma para voltarem para trás. Houve um 'soluço', um pássaro que foi engolido, o motor emitiu uma pequena chama, mas continua a trabalhar normalmente e podem prosseguir viagem para o destino”.

José Correia Guedes explica que o cenário muda completamente de figura “se os parâmetros não estiverem normais e houver anomalias no funcionamento do motor”, porque aí já o recomendável é procurar um aeroporto próximo para aterrar: “Isso já implica pensar em várias possibilidades. Existe uma possibilidade de voltarem para trás, só com um motor operacional. A situação teria de ser ponderada. Eu eventualmente admitiria a possibilidade de ir para o Porto Santo, por razões de segurança e onde a aterragem seria muito mais fácil. No Funchal também se aterra só com um motor. Fiz isso várias vezes em treino. Mas não é o meu programa favorito”.

Segundo o antigo comandante da TAP, após um incidente desta natureza, mesmo quando o avião prossegue na sua viagem, a situação de ‘bird strike’ é reportada na caderneta técnica e à chegada ao destino é feita uma inspecção visual para ver se as lâminas da frente do reactor (pás de fan) foram afectadas. “Se for um pássaro pequeno, não tem consequências de maior. O motor digere com facilidade um pássaro pequeno. Tem um pequeno sobressalto, porque isso cria uma pequena perturbação no fluxo de ar que entra no motor. Mas na maior parte das vezes não terá qualquer espécie de consequências. Agora, se forem vários pássaros, isso pode ser mais complicado”, reforça José Correia Guedes.

Não é a primeira vez que acontece um problema destes nos aeroportos da Madeira e Porto Santo. Aliás, já houve outros com consequências mais sérias.

A 6 de Março de 2010, um avião da TAP com destino a Lisboa, foi obrigado a regressar à pista do Aeroporto da Madeira, depois de uma ave ter penetrado num dos motores pouco depois da descolagem.

A 27 de Março de 2011, uma ave de grande porte entrou num dos reactores de um avião da EasyJet, quando aterrava no Funchal. O incidente provocou danos elevados no aparelho, impedindo-o de realizar o voo de regresso aLisboa.

Na manhã de 20 de Junho de 2011, um avião da SATA colidiu com um bando de gaivotas quando descolava para Copenhaga. A ocorrência foi classificada como ‘incidente grave’ pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, que abriu um processo de investigação. A colisão provocou danos graves em ambos os motores e fez com que a porta do porão da frente se abrisse. O avião teve de regressar ao Funchal.

A 6 de Abril de 2018, um avião da TAP que realizava um voo de Lisboa para o Porto Santo teve de aterrar de emergência na ‘ilha dourada’ devido a um ‘bird strike’.

A 12 de Agosto de 2022, um avião da TAP proveniente de Lisboa e com destino ao Funchal, divergiu para o Porto Santo devido a inoperacionalidade do Aeroporto da Madeira, tendo acabado por sofrer um ‘bird strike’ quando aterrava naquela ilha.

A 18 de Setembro de 2022, outro avião da TAP, oriundo de Lisboa e com destino ao Porto Santo, sofreu uma colisão com uma ave quando aterrava na ‘ilha dourada’.

Naturalmente que estes fenómenos não acontecem apenas no nosso arquipélago. Aliás, são relativamente frequentes. Estima-se que anualmente ocorram 13 mil ocorrências apenas nos Estados Unidos da América.

De modo a prevenir estes incidentes, a concessionária do Aeroporto da Madeira tomou várias medidas para afastar as aves da infraestruturas aeroportuária: canhões de gás nas imediações da pista; ‘vigilância’ com falcões; controladores de vida animal (caçadores); pistola para ‘very-light’; aplicação de produto; gestão da vegetação; e acompanhamento e orientação de entidades especializadas.

"Como é que isso [prosseguir viagem após 'bird strike'] é seguro? O avião deveria ter voltado para trás!" - comentário no Facebook