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Crónicas

Como votar me fez adulta

As eleições foram tão importantes para mim que colei um autocolante de campanha no espelho do meu guarda-fatos

Eu cresci numa família onde todos eram mais velhos. O meu irmão, os meus primos, as tias e, claro, o meu pai e a minha mãe e isso dava-lhes poderes como saber ler e escrever ou votar. E, nos anos 70, com a lembrança da revolução ainda fresca, votar era um assunto muito importante e significativo. Até para pessoas como as minhas tias e a minha mãe que, aos 40 anos, foram para fila do recenseamento com um entusiasmo de adolescentes.

Também foi o único dia da minha infância em que ficámos sozinhos em casa e sem um adulto por perto. O meu irmão assumiu o papel e, talvez por isso, votar passou a ser parte das coisas que eu ia fazer quando fosse grande. Se a minha mãe, tão cuidadosa e preocupada, nos tinha deixado sem supervisão por umas horas para não perder o lugar na fila da junta de freguesia então votar era essencial.

E, nos anos seguintes, nas inúmeras vezes que as pessoas com mais de 18 anos foram chamadas a escolher o Presidente da República, os deputados regionais, nacionais e europeus, lamentei o quanto me faltava para ser uma mulher adulta e poder escolher. Até o meu irmão acabou por me ultrapassar com os três anos que me levava de avanço. Quando o vi chegar a casa eufórico por ter ido votar à Quinta do Leme nas europeias e nas legislativas de 1987 fiquei com a impressão que todos podiam participar, menos eu.

A minha mãe tentou atenuar este sentimento com aquela asa protectora - e um tanto esquisita - de me manter como a mais nova e com uns privilégios estranhos: como comer no prato mais pequeno por ser a mais nova, vestir roupas de criança quando eu já tinha tamanho de mulher. Na verdade, fez o que as mães fazem sempre que é olhar para os filhos como seus meninos, pequenos e indefesos, mas eu queria ser grande e independente.

E quis muito e por vários motivos. Primeiro para ler as legendas dos filmes na televisão, depois para ir votar, para escolher as roupas que vestia, para ir ao cinema, ao Lido e sair à noite. Esta vontade de crescer foi ainda maior na adolescência, naquele tempo em que me senti acorrentada dentro de um corpo de adulto que, de facto, ainda não era bem um, mas alguém a transformar-se, a passar para outra fase. Se no fim acabaria uma mulher crescida então o melhor era ser depressa.

Foi libertador o dia em que fui votar no antigo dispensário do Laranjal, num dia chuvoso nas autárquicas de 1989 e fiz a cruz lá, naquele quadradinho, depois de ter mostrado o cartão de eleitor e o bilhete de identidade. As eleições foram tão importantes para mim que colei um autocolante de campanha no espelho do meu guarda-fatos. Não sei se pensei no futuro, que um dia ia olhar para aquilo e lembrar-me de como foi decisivo o ano em que fiz 18 anos e cumpri o sonho da miúda que ficou em casa sozinha com o irmão, enquanto os pais marcavam lugar na fila do recenseamento.