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Crónicas

(Alguns) Comentadores das Legislativas à la carte

Em 1959 foi para o ar uma série de televisão norte-americana criada por Rod Serling de nome The Twilight Zone ou em português Além da Imaginação. Esta série considerada hoje em dia uma das mais icónicas de sempre, apresentava histórias de ficção científica, suspense, fantasia e terror. A narração inicial dizia que “há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região Além da Imaginação.” Ao ver os comentários de muitos dos comentadores que vão analisando na televisão os debates das eleições Legislativas sinto-me invariavelmente a regressar a essa série marcante em que tudo parecia valer para lá da realidade.

Confesso que sou um dos muitos indecisos deste país. Ainda não sei em quem vou votar. Só sei ainda em quem não votarei de certeza. Mas voltando ao assunto das Legislativas, admito que não sou grande admirador deste formato Beep Beep em que apenas 30 minutos são disponibilizados para cada debate. Dá pouco espaço à discussão dos temas realmente importantes e foca-se muito mais na retórica do que propriamente no conteúdo que importava perceber até porque mais de 95% dos eleitores não lêem os programas eleitorais. Isso faz com que os moderadores estejam constantemente a interromper quem na realidade deveria ter o palco deixando temas pela rama na ânsia de enfiar perguntas a eito e sem capacidade de se adaptarem ao decurso da discussão. Ora, após cada um destes debates, um desfilar de comentadores analisam e comentam os mesmos, sendo convidados a dar notas e a sua opinião sobre os factos. (Ainda) vivemos num país livre em que cada um pode expressar a sua opinião e por isso respeito logicamente as que são proferidas da mesma forma que me posso pronunciar sobre as mesmas.

Quando as oiço lembro-me sempre desse mítico Twilight Zone. Parece que não estive a ver e ouvir os mesmos debates. Sinto que aquilo que foi dito é completamente indiferente, a grande maioria dos comentadores já vão com as opiniões formatadas e as notas seriam as mesmas se o debate não tivesse existido. Ou seja, as pessoas levam para ali os seus estados de espírito, as suas posições políticas e os seus desejos, algumas vezes alimentadas por ódios viscerais e por interesses mais ou menos ocultos e que por isso são levados muito pouco a sério pela opinião pública. Até acho que serve o propósito contrário, há quem ache o comentário de tal forma tendencioso que sinta vontade de expressar a sua revolta criando simpatia por quem foi prejudicado. Na minha opinião o comentário político devia ser um pouco mais independente, até se podia referir que não se concorda com as posições apresentadas ou dizer que se acha certas propostas utópicas mas pelo menos deveriam ser sinceros na análise do que foi realmente o debate.

Eu por exemplo não me identifico nada com a personagem da Cristina Ferreira na televisão. Não é o meu estilo. Não deixo ainda assim de lhe reconhecer mérito e que tem muito valor naquilo que faz. Da mesma forma deveríamos analisar os debates nesta perspectiva. Posso não me identificar com André Ventura (embora lhe reconheça inteligência) mas parece-me claro que ganhou grande parte dos seus debates. Dizer o contrário é ser falso e tendencioso. Uma coisa são as nossas convicções pessoais, outras aquilo que se passou na realidade. Senão damos a ideia de estar a viver num imaginário que recriámos por ideologia ou facciosismo e que de real tem muito pouco. Algumas notas chegam a ser ridículas perante os debates e só deixam mal quem as dá. Alguns por ódio, outros por mera cobardia mas a realidade é que há muito poucos comentadores a relatar aquilo que oiço na rua e que leio nos inúmeros grupos de WhatsApp a que pertenço e que abordam os assuntos.