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Fact Check Madeira

‘Cerco’ dos arrumadores de carros dura há décadas?

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No início deste mês, o DIÁRIO deu voz às reclamações de automobilistas e comerciantes sobre o assédio dos arrumadores de carros no parque de estacionamento da baía de Câmara de Lobos, e nas nossas redes, em pouco tempo, ‘choveram’ comentários sobre este ‘cerco’ pouco abonatório para o concelho. Quem também se juntou na exigência de soluções foi o presidente da Junta de Freguesia de Câmara de Lobos, que já pediu a intervenção da autarquia para minimizar e acabar com esta situação.

“Voltam a cercar? Sempre cercaram. Sempre que lá vou sou sempre abordado por um deles. Mas também digo que sempre me abordaram com calma e respeito”, referiu um dos nossos internautas. Outro lamentava a situação e perguntava qual seria a actuação da Secretaria de Inclusão: “Nota-se cada vez mais situações destas em algumas zonas da região, para além de toxicodependentes, roubos, etc. O que está a fazer a senhora da Inserção para acabar ou minimizar estas situações? Até agora não se notou nada”.

Mas será verdade que esta situação já se verifica há décadas?

Numa rápida pesquisa no arquivo digital do DIÁRIO apercebemo-nos de queixas e preocupações antigas. Aliás, há mais de 20 anos, o referido ‘cerco’ era praticado por menores de idade, como parecem comprovar alguns dos relatos nas nossas páginas.

Em 1996, logo no início de Janeiro, os jovens populares câmara-lobenses mostravam-se preocupados com as “repercussões negativas dos arrumadores de carros e as implicações na Vila de Câmara de Lobos, enquanto ponto de passagem obrigatória, de madeirenses e de turistas”. Falavam de jovens que não tinham “perspectivas” de vida.

Nesse mesmo ano, Edgar Silva, o dirigente comunista, alertava para a problemática, recordando que em Portugal existiam, oficialmente, 300 mil crianças trabalhadoras e que “uma fatia são crianças de rua que têm várias formas de trabalhos: são vendedores de lápis, de brinquedos, arrumadores de carros, pequenos traficantes, alguns praticam a mendicidade e a prostituição”.

Este problema verificado em Câmara de Lobos era também realidade em outros pontos do país.

Em 1997, a Câmara do Porto dava início na zona da Ribeira a um projecto-piloto, inédito a nível nacional, tendo em vista acabar com a actividade dos ‘arrumadores’ de automóveis. “No âmbito desta iniciativa, os fiscais camarários vão impedir a actividade dos arrumadores ilegais, sensibilizar os automobilistas para que não lhes dêem gorjetas e assegurar a protecção das viaturas estacionadas”, lia-se na notícia de 14 de Janeiro daquele ano.

Em 2007, exactamente para fazer frente a esta problemática, a cobrança no estacionamento na baía da cidade passava a ser feita 24 horas/dia. Apesar das críticas da oposição socialista, Arlindo Gomes, presidente da autarquia à data, explicava que “o espaço onde funciona o parque pertence a um privado e está arrendado à Câmara, que, por sua vez, concessionou o espaço a uma empresa”. O pagamento todos os dias, 24 horas por dia, tinha também como finalidade acabar “com os arrumadores de carros no recinto”.

Toxicodependentes, ex-presidiários e muitas crianças dedicavam-se ao negócio da ‘pedincha’. Muitos condutores denunciaram a situação através da secção ‘Cartas do Leitor’ e a mendicidade foi alvo de reportagem, impressa nas páginas do DIÁRIO. Era um assunto com constância.

Dois anos mais tarde, em 2009, e sempre a mesma temática retratada nas nossas páginas. Uma reportagem mostrava as dificuldades do funcionário do parque de estacionamento diariamente confrontado com os arrumadores ilegais. “A gente aqui passa um inferno, é mais difícil trabalhar de dia do que de noite (…). Isto é privado e mesmo assim fazem de arrumadores, até arrancam as flores dos canteiros para oferecer aos turistas a troco de um euro”.

Em 2011, era a vez da Câmara Municipal de Faro adoptar medidas para resolver este problema. A 5 de Janeiro dávamos nota que a autarquia havia começado a licenciar os arrumadores de automóveis e aqueles que fossem detectados a arrumar viaturas sem o cartão de arrumador podia ser autuados pela autarquia ou multados pela PSP.

“A partir de hoje as pessoas com mais de 18 anos e com registo criminal limpo e que queiram pedir uma licença de arrumador oficial da cidade de Faro podem vir à Câmara que há 17 lugares para preencher”, disse Macário Correia, presidente da Câmara de Faro.

Mas, por cá, pouco ou nada se alterava. “A ânsia de ganhar uns trocos torna a disputa acesa de um grupo de indivíduos e incendeia os ânimos de quem gere o comércio e a restauração, porque julga que este rodopio constante não dá boa imagem à pitoresca vila, assim como retira clientes que constrangidos acabam ou por oferecer uma moeda, ou seguem outro rumo sem sair dos carros”, podia-se ler numa outra reportagem do DIÁRIO em Março de 2022.

Na altura, confrontado com as queixas, o presidente do município, e agora candidato às Legislativas, dizia que a autarquia tinha feito “diligências junto da PSP no sentido de existir um policiamento de proximidade”, justamente por considerar ser um assunto de “segurança pública”. Pedro Coelho recordava que “a Câmara Municipal por uma vez pagou policiamento, depois o Comando Regional disse não ser possível continuar com esse serviço porque só fariam em eventos”.

Certo é que, com maior ou menos regularidade, o problema dos arrumadores de carros parece não abandonar Câmara de Lobos.

Não são sempre os mesmos, nem tão pouco na mesma quantidade, mas o vai-e-vem de arrumadores de carros na baía de Câmara de Lobos é denunciado há mais de 20 anos.