Crónicas

A sorte de ter pais A sorte de ter pais

Não há riqueza maior no Mundo do que a relação de cumplicidade e amor entre pais e filhos

Domingo dia do Pai e na segunda dia do meu Pai. É assim todos os anos, uma vez que o aniversário do meu é logo a seguir ao dia de todos. À tarde, com o sol a querer enfim espreitar como que a saudar o regresso da Primavera, passeava a caminho de casa, no regresso de mais um dia de trabalho e veio-me ao pensamento o pouco que precisamos para sermos felizes. Desse pouco uma fatia essencial vai para quem tem a sorte de, como eu, ter os seus pais presentes na sua vida. Não há riqueza maior no Mundo do que a relação de cumplicidade e amor entre pais e filhos, do que a presença física e a proximidade entre uns e outros, entre o que se cria e o que se constrói, a forma única como se abdica de tudo por alguém. Não há dinheiro que compre isso, nem bens materiais que atenuem a falta que eles fazem. Quem tem pais como os meus sabe do que estou a falar. A sensação de que se tudo falhar vai estar lá alguém, aconteça o que acontecer, o apoio único e incondicional, o colo que nos aconchega e aquela sensação de segurança que mesmo com o relógio a seguir o seu tempo natural nos faz sentir sempre protegidos, seja aos 5 aos 20 ou aos 40 anos.

Vejo pessoas à minha volta que não têm o mesmo privilegio, que encontraram os seus próprios caminhos para serem felizes e alguns deles que o conseguiram. Mas falta-lhes sempre uma parte da história, uma peça do puzzle. Quem viu partir cedo demais um pai ou uma mãe, quem nunca teve oportunidade de os abraçar, nem a sorte de poder partilhar os pequenos momentos da vida, carrega sempre uma mágoa que não se esgota, apenas se acalma, aprendendo-se a viver com ela. Seja em que idade ou altura da vida for, vejo-os a recordar as memórias dos que já partiram como se fossem pequeninos, como se nunca tivessem crescido e lhes tivessem amputado uma parte significativa da alma. Nestes dias sente-se essa dor de forma especial, a tristeza de não poder partilhar o dia com eles, o dia a dia nas coisas mais simples, na partilha das conquistas, no ombro para chorar as desilusões. O porto seguro que desaparece ou nunca sequer existiu. A falta que não se preenche deixando um vazio carregado de saudades ou de revolta.

Por muito que às vezes a distância não permita um relacionamento mais profundo ou que existam no caminho discussões, pontos de vista diferentes, por vezes algum choque normalmente causado pela parecença que temos em relação aos nossos progenitores, há algo que devemos ter sempre presentes em nós. Que o tempo passa e passa mais rápido do que desejávamos, que nunca sabemos o que vai acontecer amanhã e que nunca mas mesmo nunca devemos deixar protelar situações de conflito à espera que o tempo cure ou que mais cedo ou mais tarde as coisas se resolvam. Há quem passe a vida amargurado porque não teve a oportunidade de dizer aos pais o quanto os amava, que dariam tudo para voltar atrás e fazer as coisas de forma distinta. O tempo não volta para trás. É por isso que quem tem a felicidade de poder ter a companhia deles, a deve preservar e a deve aproveitar ao máximo, porque mais cedo ou mais tarde vão sentir falta disso.

É engraçada a forma como eles são invariavelmente os nossos heróis e os nossos exemplos, mesmo que aos olhos da sociedade não tenham deixado uma pegada marcante. Porque se a vida é feita de experiências e de momentos, são os que passamos com eles que normalmente nos preenchem as memórias e nos guiam criando valores e princípios que levamos para sempre. Os ensinamentos que ficam, as conversas longas, os olhares cúmplices ou tão só uma ida a um jogo de futebol ou aquela viagem especial. A proteção e o sentimento de pertença, o carinho mesmo nos erros, a confiança mesmo nas falhas.

Quem tem a sorte de os ter ainda por perto que beba cada segundo dessa relação mágica que não se esgota nem se delimita. Não há, por muito que alguns o tentem menorizar ou transformar em algo supostamente moderno, nada que se equipare ao que vivemos dentro desses laços e o que isso nos transporta depois para tudo o que se segue. Também há os escroques mas esses nem são considerados para a matéria. Falo dos que estão lá, sempre estiveram e vão fazer tudo para estar. A nossa rede de trapezista. A nossa voz da consciência, o nosso colete à prova de balas. Se ainda os tens dedica-lhes tempo, se já partiram tenta tu ser para os teus filhos o que gostavas que eles tivessem sido. Se a saudade é o amor que fica os pais são o amor que não se define. Sente-se.