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Buscas no Funchal, Porto e em Malta ligadas à venda do ferry Atlântida à Douro Azul

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Foto Lusa

O Ministério Público e a Autoridade Tributária realizaram hoje buscas no Porto, Funchal e ainda em Malta numa investigação sobre a venda de um ferry (navio Atlântida) a uma sociedade com sede em Malta.

Fonte judicial confirmou à Lusa que uma das empresas alvo de buscas é Douro Azul do empresário Mário Ferreira e que em causa está o negócio de compra em 2014 do navio Atlântida aos estaleiros navais de Viana do Castelo e a sua posterior venda no ano seguinte a uma empresa com sede em Malta.

Segundo adianta uma nota do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), foram efetuadas oito buscas a sociedades, incluindo a sociedades de advogados, e os factos em investigação são suscetíveis de constituir a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

Nas buscas, que decorrem em Portugal -- Funchal e no Porto -- e ainda em Malta, participam dois juízes, cinco magistrados do Ministério Público, 19 inspetores e peritos forenses da Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) da Autoridade Tributária e Aduaneira (DSIFAE) e 12 elementos da Unidade de Ação Fiscal da GNR.

As diligências visam - de acordo com o DCIAP - a "recolha de prova relacionada com a alienação" do ferry a uma sociedade com sede em Malta.

O inquérito prossegue sob a direção do DCIAP, departamento do Ministério Público que investiga a criminalidade organizada mais grave, complexa e sofisticada.

Em declarações aos jornalistas, o responsável jurídico da Douro Azul confirmou as buscas.

"Confirmo que neste momento estão, de facto, membros da Autoridade Tributária dentro da nossa organização a fazer pesquisa de um conjunto de documentação. Mais não posso dizer, porque estamos em momento de segredo de justiça e, portanto, não podemos relevar mais detalhes", disse Nuno Bizarro, à porta da sede da empresa, no Porto.

O advogado disse esperar que "toda a informação que seja pedida e procurada seja realmente entregue e descoberta, que a verdade seja resposta e que o bom nome de Mário Ferreira e do seu grupo empresarial seja colocado nos níveis que tinha até hoje".

"Estamos dispostos para ajudar no que for necessário, como já estivemos no passado e, sobretudo, para que se possa repor a verdade e as autoridades possam vir trazer ao de cima toda a informação que seja necessária, para que o grupo empresarial Mário Ferreira seja visto com os olhos com que merece", declarou Nuno Bizarro.

Em 27 de junho deste ano, o antigo presidente da Empordef e líder da comissão liquidatária dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) disse no Tribunal do Bolhão, no Porto, que houve "alta corrupção" na venda do navio Atlântida à empresa Douro Azul, do empresário Mário Ferreira.

"Houve alta corrupção que envolveu políticos em funções, o Conselho de Administração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, o júri do concurso, o BES e o comprador", afirmou João Pedro Martins, ouvido enquanto testemunha arrolada pela defesa da ex-diplomata Ana Gomes, no julgamento em que a antiga eurodeputada responde por difamação de Mário Ferreira.

Ouvido por videoconferência, no Tribunal do Bolhão, no Porto, João Pedro Martins contou que cerca de um ano antes da alienação do Atlântida (vendido em 2014) havia "doze propostas firmes" de aquisição do navio na ordem dos 30 milhões de euros, acrescentando que o Conselho de Administração dos ENVC considerou-as "extremamente baixas" face ao valor de construção.

O antigo presidente da Empordef -- holding do Estado nas indústrias de Defesa, entretanto extinta -, explicou depois que, mês e meio antes da venda do navio a "um armador grego", que ofereceu o melhor preço para a sua aquisição (12,8 milhões de euros), este ficou "incontactável".

De acordo com as regras do concurso, o navio acabou por ser adquirido pela segunda melhor proposta, que foi apresentada pela Douro Azul, de Mário Ferreira, no valor de 8 milhões e 750 mil euros.

O navio viria a ser vendido meses depois, em 2015, por cerca de 18 milhões de euros a uma empresa norueguesa, através de duas empresas ('offshores') -- entretanto extintas -- criadas, alegadamente, por Mário Ferreira em Malta para, acredita a investigação, retirar vantagens fiscais.

O antigo presidente da Empordef, que, em fevereiro de 2019, numa audição parlamentar já tinha afirmado ter havido "alta corrupção" nos ENVC, revelou ainda em tribunal que há cerca de três anos e meio entregou ao Ministério Público documentação e "matéria probatória", nomeadamente as atas das reuniões do Conselho de Administração dos ENVC, considerando que "os factos são demasiados evidentes", caso entenda deduzir acusação.