Crónicas

Intermináveis

Não era o programa mais desejado pelos adolescentes do meu tempo, os arraiais estavam fora de moda

Os primeiros dias de Julho tinham aquele ar de verão e férias, era bom aconchegar-me na almofada e sentir-me livre dos horários das aulas e da culpa por ter estudado pouco. Lembro-me dos fins de tarde a ler à sombra das laranjeiras, de usar chinelos e a roupa velha e confortável de andar em casa. E de como isso sabia tão bem antes de se instalar o tédio. As férias no Laranjal eram daquelas em que nada acontecia a não ser as festas da paróquia.

Não era o programa mais desejado pelos adolescentes do meu tempo, os arraiais estavam fora de moda. As pessoas vestiam umas roupas estranhas, tiravam rifas no bazar e, no domingo da procissão, enchiam a igreja numa missa longa, onde se misturava o cheiro do incenso, da transpiração e da naftalina. No adro rebentavam foguetes e, no descampado, preparava-se o braseiro para a espetada. Os rapazes das motas começavam a rondar que, noite adentro, era capaz de render namoro.

E não faltavam raparigas em idade de casar, mesmo que o descampado poeirento atraísse cada vez menos gente. Nós também íamos, a minha mãe e eu. E por isso quando os homens das montagens de mastros e bandeiras saltavam da furgoneta para dar início aos preparativos da festa a nossa vida animava. Tinha chegado a altura de ir às compras, para arranjar vestido e sapatos novos, que a paróquia merecia.

A minha mãe juntava sempre a quarta-feira dos bordados ao dia das compras, era certo que se ia correr meia cidade com sacos e embrulhos. A roupa não podia ser cara, nem de má qualidade e, no que me dizia respeito, tinha de me servir. E não era fácil encontrar tamanhos grandes nas lojas nos 80. A minha mãe desculpava-se, a pequena tinha saído grande como o pai. O meu pai também tinha direito a uma camisa nova e também escasseavam os números grandes. E era sempre um momento de tensão quando experimentava, dava a impressão que o tecido se ia rasgar.

Mas nada era mais complicado do que a escolha do vestido novo da minha mãe. Além de implicar com todos os padrões, com as cores e os tecidos, era sempre comprado à condição. As minhas tias ainda tinham de aprovar e não era simples encontrar consenso ao gosto de todas. Pelas minhas contas, o vestido ia umas três vezes a casa do meu avô, onde um conselho de mulheres de meia idade aprovava ou não a escolha. A minha mãe ficava com o que era ao gosto de todas, o que a deixava mais sossegada, o dinheiro tinha valido a pena.

E era tudo por causa do dinheiro, claro. Não podia ser barato que não ia durar, não podia ser colorido que chamaria a atenção e não havia orçamento outro vestido. A nossa vida era assim toda em tons neutros, nem cara, nem barata, feita para durar muito. A roupa devia aguentar as lavagens; os sapatos não podiam ser camurça que era mais difícil de limpar. A minha mãe virava-os de todos os lados para ter a certeza que, em caso de necessidade, valiam umas meias solas novas.

No sábado da festa subíamos pelo beco para a novena com a roupa nova, naquele jeito neutro, lavado e penteado, mas sem perfumes. O jeito austero da minha mãe que nunca ficava no descampado além das onze da noite. E eu lembro-me de descer o caminho desapontada, com a ideia de que, assim, nunca um rapaz iria dar por mim. O estranho é que agora, tantos anos depois, tenho saudades, muitas saudades. Da festa, das manias da minha mãe e daquelas férias intermináveis onde nada acontecia.