Análise

Tratem-nos da Saúde

Cuidar da vida, por vezes cruelmente curta, devia ser propósito de quem é eleito

Deixem-se de intrigas e de desculpas fáceis, de brigas parlamentares e de exibicionismos mediáticos, de negligências e de calculismos. Quem tem o azar de adoecer deve ser tratado como gente. E se além disso paga impostos, faz descontos e sabe o que diz a Constituição a propósito do “direito à protecção na Saúde” exige tratamento em vez de desleixo, atendimento pronto em vez de esperas intermináveis, qualidade em vez de desenrasque, dignidade em vez de desconsideração, e de preferência, cura. Assim, de pouco nos serve culpar quem na Região e no País não sabe usar as maiorias para, de forma determinada, atacar problemas com décadas e implantar um sistema capaz de dar resposta às necessidades ditadas em cada tempo pela especificidade dos contextos.

De nada resolve insultar a Ministra, o secretário regional ou os directores de serviço pelo caos sentido nas urgências, pelas falhas sistemáticas no Serviço Nacional e Regional de Saúde, pela displicência na abordagem descuidada a casos que exigem prudência e bom senso, apesar dos anúncios propagandísticos de planos de contingência e de comissões específicas para acudir a manifesta falta de médicos nos serviços públicos.

De pouco nos valem as eternas discussões em torno das restrições no acesso à profissão, da remuneração dos médicos e do modelo de gestão dos hospitais. Sobretudo se prolongarem o impasse e contribuírem para as notícias que deviam envergonhar quem governa.

A Saúde tem sido assunto dominante nas nossas primeiras páginas, num contexto em que a pandemia continua activa e a ser inacreditavelmente usada como desculpa para quase todos os males do sistema que já foi exemplar, mas que padece de danos estruturais irremediáveis e vários vícios, lacunas que só a excelência de muitos profissionais minimizam.

Mostramos várias ambulâncias paradas no Hospital do Funchal, uma situação que esconde um drama que leva os empenhados bombeiros a fazer um apelo desesperado a quem gere o sector. Os doentes chegam a aguardar mais de quatro horas dentro das viaturas de socorro, à porta do hospital, coisa pouca para o secretário regional da Saúde ao garantir que esperar quatro horas não é tempo de mais porque a “segurança dos profissionais e dos utentes está em primeiro lugar”. Pedro Ramos que experimente o sufoco da longa espera, quase tanta como aquela que é precisa para passar a fronteira no aeroporto de Lisboa.

Revelamos que o Banco de Sangue precisa de novos equipamentos pois há alguns com mais de 20 anos. O director do serviço de Sangue lamentou a falta de planeamento nas aquisições e pediu mais investimento na unidade. Horas depois, o secretário regional da Saúde desvalorizou as declarações do seu colega, alegando que porventura terá sido mal interpretado. Pedro Ramos julga que impondo a estratégia da avestruz tudo se resolve.

Andamos nisto há anos, a partilhar factos fundamentados e a mostrar que nem tudo vai bem no SESARAM e arredores, em que as listas de espera para consultas e cirurgias ganham contornos absurdos, em que os doentes com alta clínica bloqueiam camas necessárias para internamentos e em que as Urgências não dão para as encomendas, enquanto quem devia estar focado nas soluções urgentes, culpa sem escrúpulos quem dá notícias! Chega.

Nada consola quem sofre e não vê forma de ser acolhido, ouvido e diagnosticado. E nada de importante sobra se tivermos os dias contados, seja por descuido próprio, como pela incapacidade notória de quem de nós devia cuidar com redobrada atenção e carinho.

Olhemos pela vida que é bela, mas por vezes cruel. Por isso, ficamos incrédulos e revoltados quando perdemos sem aviso, o futuro, os sonhos e a esperança, ou seja, aqueles que, mesmo estando para sempre no nosso coração e na memória colectiva, deixam saudades. Porque eram referência e motivo de orgulho. Porque eram generosos e exemplos a seguir. Porque, como Pedro Paixão, eram jovens destemidos, cheios de vida e de boa energia, com carreiras promissoras e provas dadas, abruptamente interrompidas na estrada da glória.