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O orgulho nacional e a vergonha alheia

Há poucos dias andava eu pela savana africana, aos tombos dentro de uma “Pandur” das Nações Unidas, tropeçando na fome e nos pés descalços de centenas de crianças a quem falta tudo, num cenário que se repete durante quilómetros e quilómetros de terra batida.

Ali falta água, electricidade, roupa para vestir, brinquedos como aqueles que damos aos nossos filhos, mas o orgulho em ser portuguesa percorreu-me o corpo transpirado de quem estava a apanhar mais de 40 graus na tola. Os nossos militares são heróis. Não se conhecem outros capacetes azuis em toda a República Centro Africana tão dados, tão altruístas como aqueles. Ouvir de generais com altos postos na força das Nações Unidas e da representante de Guterres naquele país que não há força como a portuguesa, podia ter-me deixado apenas feliz, mas deixou-me orgulhosa. Os locais conhecem os nossos homens e mulheres. Pelas visitas que lhes fazem em tempo de acalmia, quando lhes levam bonecas de pano e equipamentos da seleção nacional, atravessando quilómetros intermináveis de terra vermelha nas suas viaturas de combate, pela resposta rápida em períodos de perigo extremo, quando grupos armados se aproximam de uma das mais de cinco mil aldeias da RCA.

Não foi fácil entender o que faz 160 militares viverem na savana africana durante um mês. Sem condições de higiene, a comer ração de combate, a dormir em tendas com dezenas de camaradas para proteger desconhecidos que vivem em amontoados de barro a que chamam casas, com folhas de zinco por cima, apanhando 50 graus dentro das paredes, mas eu não preciso entender. Aos centro-africanos basta saber que os portugueses ali estão. Os raptos, as violações, os homicídios param quando chega a Força de Reação Rápida das Nações Unidas. Evitam-se problemas, todos os grupos armados já ouviram falar desses comandos e paraquedistas que saem para a selva ou para o deserto quando há perigo, sem olhar para trás. São seis meses de missão, às vezes dois nas condições mais adversas, sem falar com as famílias, sem poder ver os filhos, sem conseguir sequer tomar um duche decente.

A cidade de Bocaranga fica quase na fronteira com os Camarões e deu-me uma perspectiva diferente da vida, do que se deve valorizar. Das tretas do dia a dia. Aqueles portugueses são a nossa cara, a nossa bandeira, a nossa Pátria na esperança das Nações Unidas e daquele país. E mesmo que não tenha tido tempo para as notícias nacionais, chocou-me ouvir falar, quase em surdina, de uma noite em Lisboa. Não tenho palavras para vos dizer o quanto me apeteceu mandar para ali dois fuzileiros durante uma temporada, a ver crianças a morrer à fome, de barrigas subnutridas e olhos de tristeza. E a terem de honrar uma bandeira que não merecem.