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Protagonistas de papel

É muito mais do que uma simples guerra sem razão. E o mundo reage apenas com palavras de circunstância

Depois das eleições de 30 de janeiro, a Assembleia da República iniciou os trabalhos, finalmente sem Ferro Rodrigues que já não preside ao órgão de soberania que deve representar todos os cidadãos portugueses.

Para além disso, foi uma primeira sessão parlamentar plenária com registos colaterais muito curiosos. Reparei, por exemplo, que alguns parlamentares não conseguiram conter uma espécie de emoção primária que, mergulhada numa, também incontida, vaidade egoísta, os levava a esticar o braço em plena Assembleia da República, enquanto realizavam exercícios contorcionistas específicos que os colocavam, sorridentes, perante os disparos ridículos das câmaras dos seus próprios telemóveis, em registos fotográficos pessoais de protagonismo eufórico que talvez denunciem, desde logo, a forma como assumem aquelas funções. No Parlamento Europeu, uma deputada fazia o mesmo exercício para um registo fotográfico solitário, demasiado descontraído, que alimentaria depois o seu perfil nas redes sociais. Enfim, são as novas “selfies parlamentares”. Mais do que o culto do “eu”, o triunfo do ridículo.

Entretanto, na Ucrânia, a guerra não para. E já não é apenas uma guerra. É o expoente máximo da brutalidade e da irracionalidade bárbara, da crueldade, da insensibilidade, da desconsideração e do desrespeito pela dignidade das pessoas e pela vida humana, com monstros russos dentro de fardas de soldados a lançar o terror e a maldade, a massacrar impiedosamente, a violar, a torturar e a tirar a vida a civis inocentes que queriam apenas viver em paz. É muito mais do que uma simples guerra sem razão. E o mundo reage a esta crueldade apenas com palavras de circunstância de líderes políticos muito fracos que se continuam a esconder. Protagonistas de papel.

Tudo isto me levou até uma passagem de um livro de Afonso Cruz, a um diálogo interessantíssimo entre duas personagens muito diferentes, uma representando um oriente longínquo, inseguro, complexado e complexo, e a outra personagem um ocidente descontraído, simples e muito prático, talvez resignado, que lançava a seguinte reflexão: “Olhe à sua volta e veja o deserto. São os homens que tomam conta das nossas vidas. Já reparou que entre os animais é o líder que vai combater o líder rival? Os animais não mandam os peões para debaixo dos cavalos. No reino animal, os líderes são os primeiros. Se nós fizéssemos o mesmo, os conflitos seriam substancialmente diferentes. E o mesmo princípio não seria aplicado apenas em casos de guerra, mas também em todas as vertentes da sociedade. Em todas sem qualquer exceção.”. Nem mais. O mundo seria substancialmente diferente.