Crónicas

O bom, o mau e o buraco

Chamavam-lhe o mago das finanças e fez carreira à custa disso. Na verdade, o truque era absurdamente simples. O mago criava a dívida e uma vez recebida a respetiva fatura, escondia-a na gaveta

Assistimos, nas últimas semanas, a um suicídio partidário. Já sabíamos que o PCP era um anacronismo político, agora descobrimos que, para os comunistas, a lealdade cega ao passado supera os mais básicos direitos humanos. O haraquíri do PCP conta-se na dificuldade em reconhecer a gravidade da agressão russa a outra nação independente, no voto contra no Parlamento Europeu à entrada da Ucrânia na União Europeia e, mais recentemente, na recusa em ouvir Zelensky na Assembleia da República. Se alguém duvidava do incómodo histórico que a democracia causa aos comunistas, hoje estamos bem esclarecidos. Dependesse do PCP e não haveria nem Zelensky, nem Parlamento.

O bom: Acordo pelo CINM

Inspirados pelo espírito pascal, PS e PSD encontraram no nosso Centro Internacional de Negócios (CINM) razão suficiente para um acordo parlamentar na Assembleia da República. Os deputados socialistas e social-democratas, eleitos pela Madeira, juntaram-se para permitir que o CINM volte a admitir novas empresas até ao final de 2023. Embora óbvio, até diria inevitável, o acordo entre PS e PSD é louvável e não diminui politicamente quem o conseguiu. Muito pelo contrário. A identidade de cada um dos partidos, pontuada por repetidos confrontos exacerbados, não deve impedir que, em assuntos estruturantes para a Região (como é o CINM), se construa uma plataforma de diálogo que permita solucionar os problemas que afligem os madeirenses. Essa disponibilidade para o consenso político não retira espaço à salutar diferença de opiniões que pauta a relação entre os partidos, antes oferece-lhe maior legitimidade e valor. Principalmente, porque torna o contencioso partidário consequente e não um mero exercício de retórica. Ainda assim, a concórdia rosa-laranja merece duas notas. A primeira é de incredulidade pela versão inicial do Orçamento do Estado não contemplar a possibilidade de novas empresas entrarem no CINM. A segunda é de preocupação em relação às verbas recebidas pela Madeira através do Orçamento do Estado. Este ano, a Madeira vai receber cerca de 217 milhões de euros. Serão menos 15 milhões do que em 2021. A redução justifica-se pela aplicação da Lei das Finanças Regionais, que continua a permitir que o Estado penalize, ano após ano, as duas Regiões Autónomas. Se há espaço para entendimento quanto ao CINM, tem de haver espaço para impedir que a injustiça permitida pela Lei das Finanças Regionais continue impune.

O mau: Os putinistas portugueses

Eles andam por aí. Pululam nos ecrãs de televisão e nas colunas de opinião, disfarçados de pacifistas, brandindo uma neutralidade seletiva e hábeis na contextualização histórica que, supostamente, aponta outros culpados para a invasão russa. São intelectuais de esquerda, especialistas em direito internacional e uma legião de militares reformados que, diariamente, debitam alarvidades alinhadas com a narrativa de Putin. O cardápio de argumentos é extenso e variado. A insistência em chamar de golpe de estado à queda de Ianukovitch e ao movimento pró-democrático que cresceu na Praça Maidan. O frenesim em volta do batalhão Azov e a alucinação de que a Ucrânia, presidida por um judeu, está pejada de nazis. O delírio coletivo, expresso em carta aberta, de que a comunicação social promove o pensamento único em relação à guerra na Ucrânia, como se de um atentado à pluralidade se tratasse. A ingenuidade, pouco inocente, de quem critica o apoio militar aos ucranianos por se tratar de um contributo para a escalada do conflito. A iminência, repetida à exaustão, da vitória militar russa. Tudo em prol do argumento final. A Rússia tem direito à sua zona de segurança, a Ucrânia está destinada à neutralidade forçada e é preferível que se renda já para evitar o agravamento do conflito. O pacifismo manhoso, trata-se, na verdade, da absoluta indigência moral, do desprezo impensável pela dignidade humana e de uma repulsa profunda pela liberdade dos povos. Perante a desumanidade que vimos em Bucha, os putinistas pedem-nos provas. Perante as valas comuns que nos arrepiaram em Chernihiv, os putinistas dizem-nos que há crimes de guerra dos dois lados. Perante a barbárie que diariamente nos quebra, os putinistas falam-nos de propaganda ucraniana. O problema não é a fragilidade do discurso dos putinistas, é esconderem-nos o que realmente pensam sobre o que se passa na Ucrânia.

O buraco: A dívida da CMF

Miguel é engenheiro, mas sonhava ser mágico. No entanto, a magia que praticava não era uma ilusão qualquer. O engenheiro, tornado mágico, fazia desaparecer as dívidas. O golpe financeiro só funcionava com as dívidas criadas pelo próprio, mas o desaparecimento súbito, autêntico milagre financeiro, encantava o público. Chamavam-lhe o mago das finanças e fez carreira à custa disso. Na verdade, o truque era absurdamente simples. O mago criava a dívida e uma vez recebida a respetiva fatura, escondia-a na gaveta. Durante algum tempo, a simplicidade do golpe contrastava com a sua eficácia. Não havia dívida que resistisse à habilidade. Até que as faturas começaram a transbordar das gavetas, a preencher os armários e a confundir-se com o papel de parede. O buraco financeiro, causado pela dívida oculta, foi ficando maior, cada vez mais profundo e estreito. Uma cova sem retorno. Aos poucos, o feitiço virou-se contra o feiticeiro, até ao momento em que o engoliu. Nesse dia descobriu-se que o engenheiro, afinal, era mago de um truque só.