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Escolhe, mas como eu quero

As interpretações dos livros sagrados das várias religiões, ao longo dos séculos, sempre foram adulteradas pelos “profetas e representantes de Deus” para justificarem a normalização de atos censuráveis e criminosos.

Supostos representantes da fé católica, com o seu auge na Idade Média, cometeram crimes contra a humanidade indiscritíveis e difíceis de entender resultado das suas interpretações absolutamente absurdas. O médio oriente padece, igualmente do mesmo mal, com os Taliban e o Estado Islâmico. Em todas as eras há um denominador comum, a subjugação das meninas e mulheres a seres menores e a sua utilização para servir os caprichos dos seus senhores, assim como a construção de uma sociedade sem cultura, movimentos artísticos e pequenos prazeres como a música, que permitem sonhar e estabelecer um espírito crítico e inovador nas populações.

Curiosamente nas sociedades modernas continua a ser difícil o respeito pela diferença. Continuamos a querer impor linhas de pensamento e de escolhas aos outros com base nas nossas convicções, credos e princípios. “Eu não só não faço algo, como não quero e não aceito que os outros o façam”.

E vamos a pequenos, grandes exemplos de temas considerados fraturantes que marcam a nossa sociedade:

Direito ao aborto: A lei não obriga ninguém a abortar e tem regras bem definidas para o poderem fazer. Um estrato da sociedade não o aceita, não o faz e não quer respeitar a possibilidade de outros o poderem fazer.

Direito à eutanásia: A lei não obriga ninguém a querer “partir antes do tempo” e estabelece regras rigorosas para que alguém possa ter esta opção. Chegámos ao absurdo de pessoas propagandearem que iria ocorrer um assassinato em massa dos velhinhos. Mais uma vez, perante um direito que é opcional querem impor a exclusão da escolha.

Direito à mudança de sexo: São tantos os casos de pessoas que nascem num corpo anatomicamente errado e que uma operação e/ou o reconhecimento documental e social poderia fazer toda a diferença. Mesmo assim há quem considere que não deveria ser dada essa possibilidade individual de correção de um “erro da natureza”, para que tantos se sintam corretamente identificados no seu género.

Casamento entre pessoas do mesmo sexo: Face à opção de união de pessoas do mesmo sexo, com vista ao estabelecimento de direitos legais enquanto casal, houve quem pensasse que de repente todos se tornariam gays ou que as crianças seriam corrompidas pela ideia que uma família pode ser mais do que um homem e mulher.

Estes são apenas exemplos de como, mesmo sendo uma opção pessoal e individual, que não influencia a vida dos demais mas apenas a dos próprios, há pessoas que querem impor a sua vontade nas escolhas dos outros, melindrados por tudo o que fuja à sua modesta “normalidade”.

Hoje, na nossa sociedade, neste grande chapéu da liberdade de expressão que nos permite dizer um chorrilho de asneiras sem grandes consequências, constatamos este movimento de exclusão do que é opcional, porque segundo as suas crenças fere a sua normalidade, o seu dogma, sustentados em “se eu não quero, acredito ou faço, os outros não podem querer, acreditar ou fazer”. Estranha noção de liberdade e liberdade de escolha que vivenciamos em pleno séc. XXI.

As modas também ditam os direitos às escolhas. Conforme os apupos das redes sociais vamos optando pelas linhas religiosas, equipas desportivas, movimentos partidários, muitas vezes contra o que acreditamos, porque é mais fácil ir na “onda”.

Quase ninguém questiona os problemas realmente importantes da sociedade e andamos à volta do que é mais polémico no momento.

Apenas vou dar um pequeno exemplo, sem me alongar muito no tema, de uma polémica e do que para mim representa a verdadeira questão a ser debatida. Recentemente um Padre da Região abordou a pertinência da disciplina de Religião e Moral, que é opcional, nas escolas tendo em conta a laicidade do estado. Foram centenas de comentários contra e a favor. E se aceito naturalmente a opinião do Sr. Padre, que sigo e muito respeito, desta vez não concordo com a sua opinião, porque entendo que a laicidade do Estado diz respeito às relações de poder e de governo, relações essas que não excluem o respeito e integração das diferenças, neste caso religiosas, de forma imparcial e não impositiva nos mais variados domínios da nossa sociedade. Neste caso, está a ser dada a oportunidade de escolha, da mesma forma que já é possível em algumas escolas do país, encontrar opções ligadas a outras religiões. Mas o que me faz verdadeira confusão é esta questão da laicidade apenas ser abordada para o que interessa. Porque razão é que a igreja e alguns dos padres da RAM, se tanto defendem a laicidade, estão sempre a pedir ao governo, juntas de freguesia e outras entidades laicas dinheiro para arranjar as igrejas e até construir novas, ameaçando até que se o dinheiro não vier irão fazer campanha contra o partido A ou B? Lembrem-se que, quando sai dinheiro das instituições públicas, o dinheiro é dos nossos impostos e aí não há uma opção individual de se querer contribuir ou não.

Os silêncios provocados pela ausência desta laicidade também são notórios quando os Srs. Padres (poucos, felizmente) chegam a uma paróquia sem bens e pela “graça de Deus” conseguem ao fim de uns anos adquirir um património, impossível ao comum dos mortais com o ordenado que auferem. Mas curiosamente não vejo ninguém dentro da própria igreja, com a frontalidade que os caracteriza a abordarem este tema.

Não pensem que sou conta a igreja católica, bem pelo contrário. Acredito em Deus e educo os meus filhos dentro da fé católica. Inclusivamente o meu filho frequenta a disciplina opcional de Religião e Moral. Não consigo é concordar com a falta de coerência da Igreja dos homens. Da prática de alguns homens “representantes de Deus” que supostamente deviam seguir os valores e princípios básicos da religião: respeito, amor, fraternidade, honestidade, humildade….