Crónicas

Notas sobre paisagem – prelúdio

FOTOGRAMAS

A crónica desta semana parte da exposição atualmente presente no Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s, intitulada A Paisagem nos Primórdios da Photographia Vicente. Ocupando este Museu o atelier de fotografia fundado originalmente por Vicente Gomes da Silva (1827 - 1906), associa-se habitualmente a produção fotográfica das quatro gerações daquela família em geral e do seu fundador em particular, à prática do retrato feito em estúdio. É no entanto em grande medida intuito desta exposição não só apontar para a importância e diversidade do género “paisagem” no âmbito da produção Vicente’s, como destacar aí a sua incidência primordial, ou seja, exibindo exemplares de imagens de vistas feitas em colódio húmido que atestam inclusivamente que as primeiras produções fotográficas daquela casa foram paisagens e não retratos. De acordo com Vítor Luís, historiador que trabalha nesta instituição tendo vasto conhecimento do espólio Vicente’s, Vicente Gomes da Silva terá iniciado a captação de imagens a partir desta técnica por volta de 1852 ou 1853, visto ter afirmado: “comecei a exercer a profissão de photographo um anno depois da descoberta do Colodio photographico, por Mr. Archer, chimico inglez”.

De forma muito resumida (e porventura simplista), este método de captação consiste na aplicação de colódio (uma espécie de verniz) a placas de vidro e sua sensibilização com nitrato de prata, devendo a placa manter-se húmida durante todo o procedimento, inclusivamente no de revelação. A utilização do colódio no género “paisagem” feito por Vicente Gomes da Silva é deste modo particularmente reveladora da importância da captação de vistas da ilha da Madeira para o fundador desta “dinastia” de fotógrafos madeirenses, por implicar um grande labor técnico e exigência material que se traduz na existência, mobilização e manuseio de uma câmera escura/estúdio portátil de captação e revelação de fotografia.

Olhar para uma vista oitocentista é sempre um exercício de um olhar comparativo entre os elementos visíveis naquela paisagem assim dada a ver e o que podemos ou poderemos ver naquele território hoje, implicando a dimensão intersticial constituída por essa diferença de presenças. As imagens aqui reproduzidas são exemplos dessa tipologia de produção paisagística e, tendo sido datadas entre 1863 e 1885 por referência a outras imagens daquele espólio desse mesmo período, podem no entanto ser anteriores (visto a produção primeira do autor situar-se, de acordo com o mesmo, em 1852 ou 1853). A primeira destas é do antigo matadouro do Funchal, o qual foi construído em 1851 junto ao Mercado do Peixe situado então na Praça de S. Pedro (a que já fiz referência na crónica de 20.07.2021). Ela é reveladora de uma visualidade urbana como que arbitrariamente segmentada e logo muito distinta daquela que hoje se afigura tão ordeira (por comparação) da Avenida do Mar.

A segunda é uma vista sobre a baía do Porto da Cruz e tem uma dimensão quase bucólica para a qual contribui a presença humana como que tipificada, não fosse ainda a sugestão de um olhar contemplativo aquilo que em grande medida faz de um(a) (imagem de um) território, “paisagem”. Mas no próximo texto deste “Fotogramas” haverá mais espaço para algumas notas sobre as propriedades deste mesmo género tão recorrente quando se fala de fotografia – a paisagem.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.