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Regresso

Mal o avião da TAP aterra no Aeroporto Humberto Delgado, entre amarfanhado e ensonado, repito (dizes que por milésima vez) estes versos de Álvaro de Campos:

(...)

Outra vez te revejo – Lisboa e Tejo e tudo -,

Transeunte inútil de ti e de mim,

Estrangeiro aqui como em toda a parte,

Casual na vida como na alma.

(...)

No táxi, a caminho de casa, sinto o Interseccionismo das saudades. Tece na manhãzinha de domingo o desembrulhar lembranças. Diante de tamanho instante, eu me calo. Tudo o que me é justaposto... faz sentido.

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O mar é o mesmo, azul - ora de procela, ora de calmaria; e o canto das sereias, por trocadilhos que tenha, ressoa sempre em mim. Cada um de nós, o seu novelo de Odisseia – Joyce a restabelecê-lo em “Ulysses”, feito esse dublinense Leopold Bloom; Walcott a estocá-lo com “Omeros”, genesíaca epopeia que, griot de nova tribo poética, traslada todo o regresso para o mar antilhano. O mesmo azul rizomático...

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Tomo nota, palavra por palavra, do fantástico inventário destes nossos dias. Todas as minhas janelas de ler e de escrever estão abertas. Escancaradas para o mundo. A revoada de tudo quanto (do meu encanto) viagem e o foguetório de nada quanto (da minha inquietação) voragem. E a estranheza de cada sílaba é o que me faz poeta.

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Cabo Verde. Não basta ter mais de 35 anos ou dizer que o caderno de encargos seja a Constituição da República. Para prender a minha atenção, além de tais pré-requisitos e de intuídos afins, o Candidato a Presidente da República não poderá mancomunar-se ao reacionarismo antissocial e antipatriota. É minha convicção de que também ao senhor-que-se-segue o claro “compromisso zero” com a extrema-direita.

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Não. Não tenho idade, nem guardo pachorra, para entrar nas coisas sem as conhecer, vocação que não tenho para idiota útil. Sabê-las com apuro, lúcida e criticamente. Apreciá-las com boa surpresa e enorme fascínio. Até ao seu ínfimo e decantado recorte. Por isso, dispenso qualquer proclamação avessa à minúcia. Sou pelas minudências. Mania de Cidadão...ponto e basta!

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Deixo-vos, prenda de domingo, o poema “Castelos de areia”, de Gonçalo Mourão. Como estamos em tempos de recomeçar, vai o poema na íntegra:

eu conheço a engenharia e a arquitetura de fazê-los

uns atrás dos outros

conheço a estratégia e a logística de defendê-los

e sei todos os modos de assaltá-los

mas contra a chuva e o mar e o vento só sei recomeçar