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Madeira

NFT faz mal à saúde do planeta

Os non-fungible token saltaram para a ribalta a partir de arte digital, mas há uma desvantagem: a energia que a tecnologia actual exige

Um dos desafios do mundo digital é a raridade de um ficheiro. A partir do momento em que um arquivo cai na rede, pode ser replicado vezes sem conta. E os que se tornam virais, e que até podiam ter mais valor por isso mesmo, ficam comprometidos pelas cópias intermináveis e consequente falta de escassez.

É por isso que os NFT (non-fungible token), uma espécie de certificado de autenticidade de um dado ficheiro, têm vindo a ganhar espaço num mundo que se confunde cada vez mais com o virtual.

  • Um bem não fungível tem características únicas e não pode ser trocado por outra coisa. O NFT é o certificado digital dessa autenticidade que prova que um dado ficheiro é original. Ao contrário do dinheiro, por exemplo, que é fungível e pode ser trocado: uma nota de 20 euros é o mesmo que duas notas de 10 euros.

Começou a ser aplicado a peças de arte, depois de ilustradores e outros artistas ‘patentearem’ as suas obras com NFT conferindo-lhes originalidade e propriedade e permitindo que algumas fossem vendidas por avultadas quantias (de moeda digital). Os NFT estenderam-se para a música, para artigos de jornais, memes, tweets e até para o desporto – sim, há jogadores a vender passes de bola, afundanços, momentos (é verdade, momentos), e até percursos profissionais. Tudo, no mundo digital, claro. Como Edér, jogador da Selecção Portuguesa, que criou a bota com que pontapeou o golo da vitória contra a França no Euro 2016, em NFT. 

Se por um lado os NFT são uma boa notícia para artistas, escritores e outros autores que, com esta tecnologia, conseguem usar a rede como montra para o seu trabalho, ao mesmo tempo que o protegem  - ou pelo menos garantem a sua originalidade -  por outro são um peso ambiental para o planeta e em nada contribuem para o combate às alterações climáticas.

Como explicamos aqui, os NFT são códigos de computador que garantem a autenticidade e propriedade de um ficheiro. São activos digitais que, através da tecnologia ‘blockchain’, ficam registados como únicos, irreplicáveis e com uma lista de transacções que pode ser seguida desde a origem. E negociável assente na ideia de que é impossível de piratear ou copiar.

E a blockchain, por sua vez, é uma base de dados descentralizada em milhares de computadores. É uma lista de registo de operações, organizada por blocos ligados criptograficamente (uma espécie de escrita secreta). Quando uma operação é registada a informação não pode ser alterada. Permite segurança nas transacções, eliminação de intermediação e, espera-se, mais transparência.

A desvantagem é a energia que esta tecnologia consome, uma vez que o registo de transacções é fruto do esforço colectivo dos milhares de computadores que estão ligados à rede – máquinas essas que gastam muita energia.

O registo de um vídeo de apenas 13 segundos na blockchain pode ter, por exemplo, uma pegada ecológica idêntica à de uma viagem de carro de 420 quilómetros, de acordo com Memo Akten, um artista digital que lançou um site que calcula o gasto energético de NFT, precisamente para alertar para o peso que a tecnologia tem na saúde do planeta.

Aliás, o criador da Tesla e da Space X, Elon Musk, chegou a anunciar negócios com recurso a Bitcoin, uma das criptomoedas mais bem sucedidas, fazendo com que o seu valor disparasse em bolsa. Mas passadas poucas semanas, deu um passo atrás e deixou de aceitar as moedas digitais Bitcoin para o pagamentos dos seus carros eléctricos.

O presidente da Ordem dos Economistas na Madeira, Paulo Pereira, recorda a história: “A desculpa é que não consegue conviver bem com o facto da Bitcoin ser um grande sorvedor de energia. A Bitcoin está implementada numa base ‘blockchain’, que é muito consumidora de energia. Energia essa que, na China, grande parte é a carvão e, por isso, inimiga do ambiente. Como ele está a vender Teslas amigos do ambiente, aceitar uma moeda que, segundo ele, é inimiga do ambiente...”.

Mas aparentemente não é assim tudo tão linear. Paulo Pereira avalia: “Revela várias coisas: uma hipocrisia porque o Tesla que anda na China e é carregado na China também vai buscar essa electricidade ao carvão e é exactamente o mesmo. O Elon Musk não pode pegar em 1.500 milhões dos accionistas da Tesla, comprar Bitcoins e,  passado três meses, é que descobre que ela funciona a electricidade? Como ele não é burro, a pergunta que fica é qual é a ‘secret’ agenda. Ele não está a discutir futebol e em princípio não dá ponto sem nó. Estas declarações que faz têm impactos. Para fazer isto ele tem alguma razão”.

Quando anunciou que a compra de Tesla com Bitcoin, afinal, já não era permitida,  Musk sublinhou, porém, que “as criptomoedas são uma boa ideia a muitos níveis” e que acredita que “terão um futuro promissor”. Só que, "isso não pode ser feito com um tão grande custo para o ambiente”.

E a verdade é que depois de conversarmos com Paulo Pereira, Elon Musk voltou a lançar notícias sobre esta história. Na segunda-feira, o empresário escreveu no Twitter que falou com 'mineiros' norte-americanos da Bitcoin e que eles estão empenhados em tornar a moeda digital mais sustentável. O tweet foi suficiente para que a criptomoeda voltasse a disparar, depois da queda que sofrera quando o Musk anunciou que deixaria de aceitar pagamentos com a moeda digital.

Resta esperar pelos próximos capítulos. 

Enquanto isso, recorde a passagem de Elon Musk no Saturday Night Live, este mês, quando o fundador da Tesla Motors afirmou que acredita num futuro sustentável e revelou que sofre de Síndrome de Asperger.