None
Madeira

NFT, um negócio para investir ou uma bolha para rebentar

Ainda ninguém sabe se vieram para ficar mas o certo é que andam cada vez mais nas bocas do mundo – e computadores, claro. Na Madeira também já há quem se tenha rendido ao código digital que garante autenticidade de um produto

O título deste texto pode ser a ‘pergunta de um milhão’ – mas ainda ninguém saberá com certeza se de dólares, criptmoedas ou de… nada. Sabe-se é que a moda dos NFT (non-fungible token) se está a instalar em força, apesar do conceito ter começado a ser desenhado há uma década, depois de as bitcoin incentivarem vários projectos relacionados com a transacção de bens com recurso à tecnologia ‘blockchain’.

E se este vocabulário parece rocambolesco, já explicamos tudo. Afinal, estes investimentos podem ser o futuro (se não forem já o presente) e, sabe o dnoticias, na Madeira também já há interessados e investidores.

Comecemos pelo princípio: NFT são activos não fungíveis e a forma mais fácil de explicar o que isto é, provavelmente é dizer o que não é. O dinheiro, por exemplo, é fungível porque pode ser trocado por outra coisa com o mesmo valor: uma nota de 20 euros vale o mesmo que duas notas de 10 euros. Pelo contrário, um bem não fungível tem características únicas e não pode ser trocado por outra coisa.  O NFT é o certificado digital dessa autenticidade que prova que um dado ficheiro é original.

Trocado por miúdos, NFT é um código de computador que garante a autenticidade de um ficheiro, bem como a sua propriedade. Os NFT são, assim, activos digitais que através da tecnologia ‘blockchain’ ficam registados como únicos, irreplicáveis e com uma lista de transacções que pode ser seguida desde a origem. E é negociável assente na ideia de que é impossível de piratear ou copiar.

Blockchain: É uma base de dados distribuída em milhares de computadores. É uma lista de registo de operações, organizada por blocos ligados criptograficamente (uma espécie de escrita secreta). Logo que uma operação é registada a informação não pode ser alterada. Permite segurança nas transacções, eliminação de intermediação e, espera-se, mais transparência

Pensemos no comércio de arte: Sabemos que podem surgir réplicas de uma obra, mas a original está protegida por um certificado. A Mona Lisa original está no Museu do Louvre, que é detentor do certificado que lhe garante essa autenticidade e, paralelamente, existem várias cópias da obra de Leonard da Vinci que não têm, naturalmente, o mesmo valor.

Com as obras digitais acontece o mesmo. Há uma criada de raiz, original, que muitas vezes é replicada no mundo virtual.

E agora o autor de uma ‘peça’ pode registá-la numa plataforma e garantir essa propriedade. Já há, até, galerias de arte para NFT – conceito que há poucos dias também já chegou a Lisboa através da Underdogs – galeria do conhecido artista Alexandre Farto. A ideia de Vhils (nome artístico) permite eternizar a Street Art. 

A mediatização dos NFT rebentou em Março, se bem se recorda, quando uma colagem digital do artista Beeple foi vendida em leilão por 69,4 milhões de dólares (58,4 milhões de euros), um valor recorde para obras não físicas. O autor, conhecido por Beeple, tornou-se com esta venda “um dos três mais valiosos artistas vivos”, de acordo com a Christie´s que leiloou a obra. À final da licitação de ‘Todos os dias: os primeiros 5.000 dias’, como se chama o trabalho, assistiram 22 milhões de pessoas e participaram compradores de 11 países.

Primeiro estranha-se e depois entranha-se?

Estes certificados são apenas aplicados a arte digital ou a outros produtos? Servem para quê? Provavelmente há uma série de perguntas que estão a passar pela cabeça do leitor. Por isso, e para abrir esta série de trabalhos sobre NFT, pedimos ao economista Paulo Pereira que nos ajudasse a esclarecer - lembrando que todo este processo ainda está numa fase embrionária e tudo pode mudar de um dia para o outro (e a pandemia já nos tem habituado a isto).

Diz o presidente da Ordem dos Economistas da Madeira: “Não sendo um grande especialista, nem sei se os há, tenho acompanhado com algum interesse a evolução dos NFT. E eles vêm no seguimento desta fase de grande digitalização da economia e de uma esperança de uma fase de disrupção que se espera que todas estas cadeias digitais relacionadas com a 'blockchain' venham a fazer. Mudanças na forma como vivemos a vida e como vemos as coisas. Como, aliás, a internet passou a ter nas nossas vidas. Há pessoas que entendem que o futuro passará por lá [NFT] e há muita gente que está céptica. Mas temos de nos lembrar que até há pouco mais de 20 anos a internet era vista em alguns circuitos como uma moda passageira... e agora é o que é”.

E é com o exemplo do 'advento da internet' que Paulo Pereira afasta fundamentalismos sobre a nova moda digital: “É muito complexo, parece que cada passo que se dá mais confusos ficamos. Estão a aparecer os tolkens e as moedas digitais e muitas vão terminar em bolha, como aconteceu com muitas empresas da internet. A mais famosa de todas, como símbolo máximo da exuberância, foi a Pet.com, que vendia animais para casa via internet. Valia uma fortuna em bolsa e ainda hoje é um símbolo de uma exuberância irracional. Mas outras empresas ficaram, como a Amazon, que é filha dessa época”.

Apesar do conceito ser antigo, só este ano é que a ‘febre’ dos NFT chegou. E se se tornou célebre no meio artístico, cada vez mais dá passos para lá desses limites. Como aconteceu com o colunista do The New York Times, Kevin Roose, especialista em tecnologia, que vendeu um artigo sobre NFT por 563.400 dólares (cerca de 478 mil euros). A venda foi feita numa plataforma para esse efeito e encerrou com uma oferta de 350 unidades da criptomoeda Ethereum que, no câmbio actual, equivale a mais de meio milhão de dólares. O texto foi vendido como uma oportunidade do comprador ficar com “o primeiro artigo em quase 170 anos de história do NYT distribuído como um NFT”.

E há muito mais: a tecnologia pode ser utilizada em vários itens digitais e há quem tenha já ‘patenteado’ tweets, memes, gifs e por aí fora. 

Viral vira NFT

Recorda-se de um vídeo de David, uma criança que saiu do dentista, na altura com sete anos, “a sentir-se divertido” por causa da medicação. Agora, passados 11 anos e 140 milhões de visualizações, a gravação foi transformada em NFT e vendida por cerca de 936 mil euros. 

E este é só um exemplo. O 'Grumpy Cat' original também já tem o seu certificado de autenticidade e o vídeo ‘Charlie bit my finger’, visto por 880 milhões de pessoas e considerado um dos vídeos virais mais vistos de sempre, também já está preparado para NFT e vai a leilão no próximo Sábado, 22 de Maio. 

Os actuais proprietários (quem o gravou) garantem que o vídeo será eliminado do Youtube depois de vendido, uma forma de o tornar mais raro. Além destes, uma infinidade de vídeos e memes já foram comercializados depois de registados como NFT, outros estão a caminho, a e a ‘febre’ chegou também ao Twitter, depois de um dos seus fundadores, Jack Dorsey, ter vendido o primeiro ‘tweet’ por 2,9 milhões de dólares (2,4 milhões de euros), que serão doados para caridade.

Jogadores portugueses inauguram NFT no futebol

Depois do ‘boom’ com os trabalhos artísticos digitais, textos de opinião ou tweets, os NFT também já se espalharam para o futebol e Portugal foi pioneiro nesta aposta. Inspirado na equipa americana NBA (sim, os NFT estão a fazer sucesso também no desporto), o autor do golo que fez de Portugal campeão da Europa em 2016 decidiu criar a bota direita com que deu esse pontapé da vitória, em NFT.

Éder conta que gostou da ideia dos jogadores da NBA, que têm transformado movimentos, passes de bola ou cestos em certificados digitais NFT, permitindo que jogadas e estratégias em campo passem a ter um proprietário. O que o atrai, disse Éder, é uma maior proximidade com os fãs.

O jogador da Selecção Portuguesa lançou 10 exemplares digitais da sua bota direita, que levaram pelo menos quatro meses a criar, com uma grande equipa de designers, informáticos e especialistas em tecnologia como suporte. 

Esta terça-feira, o exemplar 1/10 da bota do Éder já contava com uma licitação de 771,53 dólares, ainda que ontem, quarta-feira, tenha caído para o equivalente a 609 dólares. Esta quinta-feira voltou a quebrar para cerca de 606 dólares. 

O exemplo foi seguido por José Fonte, também jogador da Selecção Portuguesa, que também decidiu transformar o seu percurso até à vitória europeia em NFT.

As quantias que os jogadores conseguirem arrecadar, dizem eles, revertem para associações de solidariedade.

"Mente aberta e carteira fechada"

Mas a pergunta permanece: vale a pena investir? O economista Paulo Pereira é cauteloso e considera que ainda não deve ser uma aposta para a maioria.

“Neste momento não considero que seja investimento para 99% das pessoas, mas sim especulação. Porque ninguém sabe explicar muito bem o porquê. Quando não se sabe explicar o porquê, estão a especular. Não é proibido desde que as pessoas saibam conviver com eventuais, e prováveis, perdas. Não me venham depois criar grupos dos lesados dos NFT e a minha mãe que nem sabe o que são NFT depois teria de contribuir com os impostos dela para ajudar a pagar a quem especulou e depois reclama porque o Governo não regulou. E nem tinha de regular, as pessoas é que têm de ser adultas e perceber: ouvir dizer que é o futuro não é suficiente”. Paulo Pereira, economista

É que, insiste Paulo Pereira, é “capaz de ser, como é capaz de não ser”. Como são exemplos a Pet.com e a Amazon.

O mais prudente para quem não pode perder dinheiro é “ter a mente aberta, mas a carteira fechada”, alerta o economista madeirense. Já quem puder perder, também pode arriscar: "Há imensa gente sem dinheiro nenhum, mas há muita gente com dinheiro e quando alguém está a pagar esse dinheiro pelo NFT da bota do Éder... Está tudo bem, só não é para mim”, confessa o economista. 

A verdade é que os holofotes estão sobre esta moda digital e até ao e-mail do DIÁRIO chegam promoções dos mais variados produtos em NFT - ainda que maioritariamente de arte. Os investidores estão atentos e quem quer vender os seus trabalhos também. E assim está o dnoticias.pt, que acompanhará o tema ao longo dos próximos tempos. 

Mais vocabulário

  • Criptomoeda: É a tecnologia usada nas moedas digitais. Actualmente existem várias destas ‘moedas’ que são activos que podem funcionar como meio de troca. Cada vez mais serviços as aceitam como meio de pagamento em todo o mundo, sobretudo depois de Elon Musk anunciar este ano que os consumidores já poderiam comprar um Tesla com bitcoin – a primeira e mais bem sucedida criptomoeda. Só que a notícia não durou muito e desde o último domingo que tal não pode ser feito. A bitcoin tem uma grande pegada ecológica e Elon Musk diz que está preocupado com o ambiente. (Voltaremos a este tema em dnoticias.pt)
  • Smart Contract: É um contrato que estabelece (e aplica de imediato) as condições numa transacção. É fundamental para dar segurança aos negócios com criptomoedas (incluindo a compra e venda de NFT). 
  • Dogecoin: É uma criptomoeda que foi buscar o nome a um ‘meme’ de internet e ganhou popularidade com Elon Musk. Agora, já é a quarta cripto mais valiosa do mundo. Resta esperar pelos próximos passos do dono da Tesla.