Madeira

Seis funcionárias de lar do Porto Moniz vão hoje a julgamento por alegados maus tratos

None

O julgamento de seis funcionárias do lar do Porto Moniz, acusadas pelo Ministério Público do crime de maus tratos aos idosos da instituição, tem início esta manhã, pelas 09h30, no Juízo Central Criminal do Funchal (Edifício 2000). Uma das arguidas é a antiga deputada e ex-directora-geral do lar Ana Serralha.

Idosos alvo de agressões físicas, ameaçados, chamados por alcunhas depreciativas e frequentemente ‘adormecidos’ com recurso a drogas sem receita médica. As situações descritas na acusação do Ministério Público contra as seis arguidas são graves e, a serem provadas em tribunal, representam um quotidiano de terror no lar gerido por uma fundação que teve Alberto João Jardim e o ex-secretário Francisco Jardim Ramos como dois dos quatro fundadores. O quarteto ficava completo com Ana Serralha e Maria da Cal. Esta última era presidente da instituição e a 18 de Junho de 2019, no tribunal do Funchal, foi condenada a 60 dias de multa por ter agredido uma utente de 83 anos.

O lar foi inaugurado em Outubro de 2009 e, segundo se lê na acusação do Ministério Público, praticamente desde o início teve problemas. Desde 2010, há indícios de que as auxiliares de acção directa que trabalhavam no lar administravam livremente e sem prescrição médica os psicofármacos Tercian (Ciamemazina) e Haldol (Haloperidol) “com vista a que os utentes não dessem trabalho” e para os “acalmar”. A encarregada de pessoal não concordava com a forma como eram utilizados tais medicamentos e escreveu vários relatórios à direcção com a descrição de situações abusivas. Por exemplo, em Abril de 2010 uma utente teve alucinações e teve de ir ao hospital. Quando voltou deram-lhe Tercian mas possivelmente com dose excessiva pois “dormiu duas noites e um dia sem sequer abrir os olhos para comer”. Outro utente era “muito mal educado, insultou toda a gente e apalpou as raparigas, pelo que lhe deram 15 gotas de Tercian a ver se ele se acalmava”. Este utente “encontrava-se completamente dopado, não comia, não andava e não se mexia” porque lhe estariam a dar “gotas a mais”. Após o almoço, havia idosos que “começaram a dormir profundamente tendo de ir para a cama” e durante a noite também eram-lhes administrados fármacos para não chamarem as funcionárias.

Os relatórios da encarregada de pessoal eram regularmente enviados à directora técnica Gonimar Costa e à directora-geral, Ana Serralha. Apesar disso só em 2014 é que foi implementado o controlo dos medicamentos. O Ministério Público diz que estas responsáveis não tomaram as providências necessárias para garantir a segurança e bem-estar dos idosos. Pelo contrário, “até determinavam os funcionários” para o “uso abusivo de psicofármacos, com vista a que os utentes não dessem trabalho”. É dito, por exemplo, que as duas directoras determinaram que “haveria sempre medicação dessa dentro de um saco, que tinha por fora os dizeres ‘Rosa Mota’, alcunha que atribuíram” a uma utente “por ser muito agitada”, sendo que as funcionárias administravam tal medicamento “sem preocupação sequer com a dosagem”. Esta situação perdurou desde a admissão da utente, em Outubro de 2010, até Janeiro de 2018. “Só não lhe davam essa medicação ao sábado pois ao domingo o filho ia vê-la e assim achá-la-ia no seu estado normal”, diz o MP.

No lar também ocorriam alegadamente maus tratos físicos. É relatado o caso de uma idosa em cadeira de rodas que, em Maio de 2013, foi encontrada “caída no chão e entalada entre as patilhas da mesma cadeira”. Uma funcionária não só impediu que as colegas a levantassem do chão ou que lhe vestissem uma camisa da noite para a proteger do frio como também lhe deu “safanões”, magoou-a num braço e bateu-lhe com a cabeça numa porta. Esta utente reclamou junto da direcção, que supostamente nada fez.

Em Maio de 2015, um utente em cadeira de rodas que “se mostrava muito agitado” foi repreendido por uma funcionária com um puxão de orelhas dado de tal forma que fez uma ferida com sangue. Este episódio culminou com o despedimento da funcionária. Este mesmo utente, que sofria de Alzheimer e “não parava quieto”, terá sido agredido por outras duas funcionárias com um cinto e uma toalha molhada. Há vários relatos de palmadas na boca e na cabeça de utentes.

Estas situações terão de ser provadas num julgamento que contará com Ana Rita Barra como presidente do colectivo de juízes.

Presidente da instituição já foi condenada

O lar do Porto Moniz pertence à Fundação Mário Miguel. A 18 de Junho de 2019, no tribunal do Funchal, a presidente desta instituição, Maria da Cal, foi condenada a 60 dias de multa por ter agredido uma utente de 83 anos. Isto porque a 10 de Fevereiro de 2018 a arguida aproximou-se por trás da idosa e agarrou-lhe na cara com uma mão e tapou-lhe a boca. Acto contínuo, abanou-lhe a cabeça para um lado e para o outro. O gesto brusco fez deslocar a placa dentária da utente e provocou-lhe uma ‘trincadela’ na boca. Ficou ainda com dores no pescoço e recebeu assistência de uma enfermeira da instituição. Poucos dias depois foi apresentada queixa-crime na PSP do Porto Moniz. Maria da Cal negou a acusação mas foi condenada. Disse que ia recorrer da sentença.

Em Fevereiro de 2018, o Governo de Miguel Albuquerque afastou a direcção do lar e apresentou queixa no Ministério Público na sequência de “factos graves” apurados numa acção inspectiva.