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Procuradoria Ilícita – O silêncio dos inocentes

Diz a nossa ordem jurídica que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, e é compreensível que assim seja, caso contrário, a tentação de não se querer conhecer para não ter de se cumprir, seria, eventualmente, demasiado tentadora para não ser aproveitada.

Ele há crimes e crimes. Há uns que pelos variadíssimos motivos estão na consciência coletiva, há outros que simplesmente se ignoram, e é sobre estes últimos que nos vamos ocupar por agora. A Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto diz-lhe alguma coisa? Nada, pois não? E se lhe falar em crime de Procuradoria Ilícita? Imagino que muito pouco ou nada também.

Ora bem, em traços gerais, a Procuradoria Ilícita é o tipo de crime pelo qual se condena a prática de atos próprios de advogados e solicitadores, por pessoas não habilitadas para tal. São atos próprios de advogados, entre outros, a consultoria jurídica, a elaboração de contratos-promessa, contratos de trabalho ou contratos de arrendamento que – desde logo, por isso mesmo -, não podem ser praticados por quem não o seja, sob pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

Mas qual a razão de ser da criminalização desta procuradoria? Qual o problema em se fazerem uns contratos, já que, afinal de contas, até estão disponibilizados na Internet?

É muito simples, na verdade. Vejamos. Da mesma forma que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez visa a proteção do próprio condutor e de quem com ele se cruze na via pública, o crime de procuradoria ilícita, visa a proteção das próprias partes interessadas e de todos os que com elas se relacionam ou negoceiam.

A nossa ordem jurídica, por carregar uma tradição vincadamente portuguesa, é minuciosa por natureza, o que faz com que uma vírgula ou ponto, e atenção, não estou sequer a exagerar, possam fazer toda a diferença. Ora, num meio onde estes pormenores são determinantes e as exceções são regra, a ausência de uma correta assessoria pode ser catastrófica. A juntar a isto, temos as constantes produções legislativas, que alteram em dois anos o que já havia sido alterado três vezes. As exigências e desafios são, neste sentido, permanentes.

Um contrato-promessa de compra e venda tecnicamente defeituoso, pode acarretar perdas e danos irreparáveis. O mesmo pode e deve ser dito sobre os contratos de arrendamento ou sobre os contratos de trabalho.

Com efeito, esta criminalização visa exatamente que tal não aconteça. Os interessados somos todos nós. São todos os que direta ou indiretamente têm interferência no comércio jurídico.

É certo e sabido, que as mais das vezes, o cidadão comum, nomeadamente na elaboração de contratos, não tem noção de que está a praticar ou a auxiliar a prática de atos próprios de advogados, e como tal, a cometer um crime. Há, inclusive, quem lhes faça ver a vantagem de ter um contrato já pronto ou tirado da Internet, e já nem precisar de consultar um advogado – qual cura milagrosa.

Em resultado, é fundamental que se ganhe a consciência de que a criminalização de quaisquer atos, e destes em particular, visa, antes e acima de tudo, a nossa própria salvaguarda. O crime de procuradoria ilícita existe, não apenas para condenar os prevaricadores, mas também para nos proteger. Não nos enganemos com problemas disfarçados de soluções. E pior, não enganemos ninguém: a procuradoria ilícita é crime.