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Recordar Revolução de Abril

Quanto a nós… ainda ecoam nos ouvidos, sintonizados no desalinhado Rádio Clube Português, o “E Depois do Adeus”, de Paulo Carvalho, e a “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso.

Em Abril de 1974 cumpriam-se treze anos de luta, durante os quais Salazar e Marcello Caetano não definiram uma política conducente à paz entre o País e Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

No entanto, era universalmente reconhecido que o entendimento com os diferentes Movimentos de Libertação exigia o saneamento da política conservadora que vinha a ser praticada no Estado Novo.

Eis que, a 16 de Março de 1974, acontece o Levantamento das Caldas, uma tentativa de Golpe de Estado que não teve êxito pois, apesar de se prever inicialmente a adesão de outras unidades, só o Regimento de Infantaria n.º 5 das Caldas da Rainha marchou para Lisboa, com os cerca de duzentos soldados a serem interceptados. Trinta foram detidos e a maioria recambiada para Sta. Margarida.

O histórico é que estava lançada a semente da Revolução. O que aconteceu a 25 de Abril. Otelo Saraiva de Carvalho planeou e comandou as operações; Melo Antunes escreveu o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA); Vasco Lourenço teve um comportamento meritório; mas, dos militares de Abril, é em Salgueiro Maia que mais nos revemos.

Seguindo as ordens de Otelo, presente no Posto de Comando da Pontinha, Salgueiro Maia chefiou desde a Escola Prática de Cavalaria, de Santarém, a coluna de blindados que cercou o Terreiro do Paço, forçando a rendição do Professor Marcello Caetano, que se refugiou, de livre vontade, no Quartel do Carmo, condicionando a entrega do Poder a um Oficial superior. O que aconteceu com a pronta envolvência do General António Spínola.

Uma atitude patriótica de Marcello Caetano e que, não temos dúvidas, muito contribuiu para que a Revolução acontecesse sem derramamento de sangue. Basta saber que agiu contra a vontade de quase todos os seus ministros e de algumas unidades, como o Regimento Motorizado de Lanceiros 7, Guarda Nacional Republicana e Direcção-Geral de Segurança (PIDE/DGS).

Inclusive, grande número dos efectivos da Aviação e da Marinha manteve-se indeciso por algum tempo.

Aliás, ao tempo, o País já sentia novos ventos, qual Primavera Marcelista, com expressão na Ala Liberal, que se distinguia em São Bento. Estamos a falar, entre outros, de Pinto Leite, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Mota Amaral, Miller Guerra, Magalhães Mota e Eleutério de Aguiar, cujos discursos no hemiciclo já vertiam preocupações viradas para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

Enquanto isso, de Abril de 1974 a 16 de Maio do mesmo ano, o País foi governado por uma Junta de Salvação Nacional (JSN), que integrou os Generais António Spínola, Costa Gomes, Diogo Neto, Brigadeiro Silvério Marques, Coronel Galvão de Melo, Capitão-de-mar-e-guerra Pinheiro de Azevedo e Capitão-de-fragata Rosa Coutinho.

A par da destituição do Presidente da República (Américo Thomáz) e do Governo (Marcello Caetano), a JSN dissolveu a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado. E exonerou os Governadores-Civis no Continente, nas Ilhas Adjacentes e os Governadores-Gerais no Ultramar.

Outras medidas imediatas da JSN passaram pela amnistia de todos os presos políticos, salvo os culpados de delitos comuns; libertação dos militares responsáveis pela Intentona das Caldas; reintegração voluntária dos servidores do Estado destituídos por motivos políticos.

O desmantelamento da PIDE, da Legião e das organizações políticas de juventude foi outra decisão que marcou a agenda. E no prazo de três semanas, a JSN designou, de entre os seus membros, António Spínola como Presidente da República.

A 15 de Maio de 1974, foi nomeado o I Governo Provisório, liderado pelo Doutor Adelino de Palma Carlos. Seguiram-se os II, III, IV e V Governos Provisórios, liderados por Vasco Gonçalves (Junho de 1974 a Setembro de 1975), e ainda o VI, este liderado por Pinheiro de Azevedo

(19 de setembro de 1975 a 23 de julho de 1976).

Mesmo deixando as reformas de fundo para a futura Assembleia Constituinte, pelos Governos Provisórios foram definidas medidas de carácter material, económico, social e cultural, conducentes à Democracia do País.

Aferimos a liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma, a independência e a dignificação do Poder Judicial. E, não menos importante, criaram-se os fundamentos das independências das nossas ex-Províncias Ultramarinas.

A 28 de Setembro de 1974, apenas cinco meses depois da sua nomeação, António Spínola renunciou à Presidência da República. Silvério Marques, Diogo Neto e Galvão de Melo demitir-se-iam das suas funções na JSN, que foi extinta na sequência do golpe de Março de 1975.

A 14 de Março de 1975, foi instituído o Conselho da Revolução, este presidido pelo Presidente da República de então, o controverso Costa Gomes, cuja magistratura, desde aquela data até Julho de 1976, justifica um aprofundado estudo, nomeadamente, o período em que decorreu o Processo Revolucionário em Curso (PREC).

E vai daí, um ano depois, a 2 de Abril de 1976, e após Eleições Livres e Democráticas, as primeiras depois de 48 anos de ditadura, reuniu-se a Assembleia Constituinte, com maioria do Partido Socialista. Mário Soares formou Governo, enquanto Costa Gomes continuou no Palácio de Belém. A aprovação da Constituição da República Portuguesa foi uma das suas acções mais assertivas.

Entretanto, a 27 de Junho de 1976, o General Ramalho Eanes, que teve Otelo Saraiva de Carvalho como principal candidato concorrente, foi por grande maioria o primeiro Presidente da República eleito em Portugal por sufrágio direto e universal, com o apoio do PS e do PPD.

De assinalar que nesta data, conforme definira o MFA no seu manifesto inicial, a acção das Forças Armadas ficou restringida à Missão de Defesa da Soberania Nacional.

Enfim, nestes 47 anos de Democracia, muito aconteceu de positivo. Mas também há a lamentar graves desvios no percurso prometido aos Portugueses. Ainda há quem não perdoe a forma precipitada como se verificou a saída de África, para muitos, mais ao jeito de interesses estrangeiros do que dos seus próprios povos. Seja como for, o 25 de Abril de 1974 merece ser sempre comemorado.

Terminamos com um memorial a Salgueiro Maia. No 25 de Abril era Capitão. Foi promovido a Major em 1981 e, mais tarde, a Tenente-Coronel. Foram-lhe propostos vários cargos políticos e civis e a todos disse não. A 24 de Setembro de 1983, recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e, postumamente, em Junho de 1992, o Grau de Grande-Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Em 2007, foi condecorado com a Medalha de Ouro de Santarém. Infelizmente, faleceu muito cedo, vítima de cancro, a 3 de Abril de 1992, com 47 anos de idade.

Este é um despretensioso contributo que quisemos trazer à ribalta, para recordar a Revolução. Feliz ideia teve a florista anónima de Lisboa quando colocou os cravos vermelhos nas espingardas dos soldados. Quanto a nós… ainda ecoam nos ouvidos, sintonizados no desalinhado Rádio Clube Português, o “E Depois do Adeus”, de Paulo Carvalho, e a “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso.

Nota final: este escrito surgiu de conhecimentos e vivências pessoais, da leitura de um exemplar original do MFA, que ainda conservamos no nosso arquivo.