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O caso “Operação Marquês"

Soubemos na passada sexta-feira, dia 09.04, que o Juiz de instrução Ivo Rosa, deixou cair, ou seja, não pronunciou o antigo primeiro-ministro José Sócrates, arguido principal no processo conhecido como “Operação Marquês”, na maior parte dos crimes que o ministério público lhe imputava, nomeadamente os crimes de corrupção, e que daquele imenso megaprocesso ficaram de pé três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos. Ou seja, dos 31 crimes que estava acusado, subsistiram 6. Na leitura da decisão instrutória também ficámos a saber que os crimes de corrupção que lhe eram atribuídos já haviam prescrito na data da dedução da acusação. Intrigante, no mínimo, esta caducidade. Como o julgamento popular há muito vinha sendo feito nalguma comunicação social, nos cafés e aqui e ali, leia-se fora dos lugares próprios, os tribunais, “Caiu o Carmo e a Trindade” em cima do Juiz Ivo Rosa, com a sua decisão, tendo até sido criada uma petição online, imagine-se, para “Afastamento do Juiz Ivo Rosa de Toda a Magistratura” e que na data que escrevo esta crónica já ultrapassou as 150.000 assinaturas. Por estas e por outras compreende-se o perigo dos julgamentos feitos fora dos fóruns adequados, onde as regras do direito em nada importam, é necessário é condenar, no caso pronunciar, haja provas concludentes ou não. E cuidado, não estou a dizer que há culpa ou inocência nos acusados no processo, mas apenas a chamar à atenção que há regras básicas na aplicação do direito, que a não serem observadas, colocariam em risco todo o edifício judiciário, pois a lei seria a vontade dos mais fortes, dos mais poderosos, entrando-se numa aplicação discricionária, tornando a justiça num útil e mero instrumento de “DDT’s”. Imagine-se o que seria se alguém quisesse construir uma história que por muito bem contada, não era sustentada com as necessárias confirmações documentais e/ou periciais, mas apenas porque alguém disse ou achava que sim, levando a julgamento e condenação inocentes. Seria a negação da justiça. Ora o que me parece que o Juiz Ivo Rosa fez, foi precisamente o que se exige de um magistrado judicial, ou seja, uma apreciação à luz do direito aplicável à matéria em causa, não cedendo a pressões externas. Perdoem-me os que discordam, mas considero que este juiz fez um bom serviço à justiça portuguesa, porquanto a decisão de não pronúncia fundamentada de muitos dos crimes, é válida (deverá ser) para qualquer cidadão. E o processo não findou, da decisão pode haver recurso, seguindo a tramitação também possível e prevista no direito. Repare-se que não é por acaso que a aplicação do princípio “in dúbio pro reo”, expressão latina que reflete o princípio jurídico da presunção de inocência e que literalmente significa, “na dúvida a favor do réu”, existe como decisão em fase de julgamento. É que também dentro da esfera do direito, na dúvida, por ausência de provas cabais de autoria e materialidade dos factos, é preferível ilibar um culpado do que condenar um inocente. É certo que uma decisão instrutória não é um julgamento, mas depois de conhecida há que lidar com o que dela resulta. Já quanto ao trabalho do Ministério Público (MP), aparentemente a acusação produzida, embora se apoie num trabalho gigantesco e de grande dificuldade, parece algo frágil e a opção de não separar as várias acusações, tendo-se constituído um megaprocesso, em nada a terá beneficiado. De qualquer modo não se caia na tentação de avaliar o trabalho de todo o MP por este caso, pois o mesmo apenas compromete os magistrados do MP nele envolvidos. Importante reter é que nunca em situação alguma, os direitos fundamentais de qualquer cidadão devem ser abafados. Que há crimes que escapam à justiça, isso há, mas essa circunstância é parte do direito, de modo a acautelar a possibilidade grandes injustiças. É evidente que o sistema não é perfeito e deixa escapar alguns criminosos, mas ainda assim, a existência de arbitrariedade na aplicação do direito seria muitíssimo pior.