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Quem fugiu de Mocímboa está mais longe de regressar a casa

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Oito meses depois de fugir de Mocímboa da Praia, Jorgina Morais olha o futuro com desalento: a insegurança naquela região moçambicana obriga-a a adiar o regresso à terra e a partilhar uma casa com 82 pessoas, em Pemba.

Na quarta-feira da semana passada, a vila de Palma, no extremo norte de Moçambique, foi atacada por insurgentes 'jihadistas', e Jorgina Morais, que fugiu há oito meses de ataques semelhantes em Mocímboa da Praia, vê chegar à capital de Cabo Delgado, Pemba, mais colunas de deslocados internos, um sinal da insegurança crescente na província onde Moçambique apostava o seu futuro, com mega investimentos em exploração de gás natural.

Desde julho de 2020 que Jorgina Morais partilha a mesma casa com 82 pessoas, desde crianças, jovens e idosos, nos arredores de Pemba, no bairro de Ingonane.

Jorgina é curandeira e desde que chegou a Pemba que não tem tido boas lembranças, desde a falta de comida e de roupa, até de simples documentação.

"A grande preocupação que temos nesta casa é alimentação, temos um saco de arroz, temos de economizar para comermos por dois dias, as crianças choram até meia-noite porque a comida não chega", desabafa a mulher de 42 anos e mãe de quatro filhos, cansada de um capítulo da sua vida que quer ultrapassar.

"Estamos a sofrer de malária, já tivemos problemas de diarreias e vómitos, não temos máscaras, redes mosquiteiras... Estamos mal", acrescenta, em declarações à Lusa.

A casa tem três quartos e uma sala, que serve para todos dormirem quando chove, numa situação precária que só terá fim à vista quando regressar a paz à província.

"O governo que faça alguma coisa para que essa guerra acabe, hoje é Palma, ontem foi Mocímboa, amanhã será aqui, ninguém sabe onde estão seus familiares, em Pemba não há segurança, estamos todos com medo, se atacaram Palma, imagina aqui", acrescenta, consternada.

Saide Momade é um dos que vivem na mesma casa. Aos 45 anos, trouxe quatro filhos e seis sobrinhos para Pemba em fuga dos terroristas que atacaram Mocímboa da Praia no verão passado.

No "ano passado pensava que [a guerra] estava a acabar", hoje "não sei o paradeiro dos meus familiares", diz Saide Momade, que tinha pessoas próximas em Palma.

O ano letivo começou a 21 de março, mas os filhos de Saide Momade não se matricularam.

"Eu e minha mulher não temos cédula, crianças para estudarem não sei como fazer", explica, frustrado com o impasse em que a sua vida se encontra.

"Choro todos os dias para regressar a casa, não tenho trabalho na cidade, não vale a pena [procurar] lá", diz Rabia Momade, 63 anos, que vivia dos apoios de uma organização não-governamental, cuja ação foi bloqueada pelas autoridades locais.

"Branco estava a ajudar, daí ficaram com inveja e cortaram" conta Rabia, que vive no chão de terra de Pemba há dez meses. "Não tenho esteira e nem colchão", explica.

O primeiro ataque terrorista em Cabo Delgado foi em outubro de 2017, na vila de Mocímboa da Praia, e, desde então, à capital provincial de Pemba têm acorrido milhares de deslocados em fuga dos confrontos, da violência e da morte.

A sensação de abandono entre os deslocados de outras zonas de Cabo Delgado é evidente nas conversas de quem foi forçado a sair das suas terras.

Em Pemba, sem trabalho, Jorgina Morais diz que tem de se virar para as autoridades, porque está no mesmo país, mas a 350 quilómetros da sua terra.

"Que o governo nos ajude, Mocímboa era fácil, pois íamos à praia para pescar. E aqui?", questiona.