Análise

“Não dar sinais errados”

As medidas restritivas devem servir de treino intensivo para o desconfinamento

Quem gere a pandemia foi desafiado pelo Presidente da República a “não dar sinais errados”. A isso obriga a elevada propensão lusitana para relativizar, quando sente que o pior já terá passado, a que se junta um sem número de negacionistas convictos e um grupo de decisores populistas, muitos dos quais dados ao facilitismo e à alienação, falta de pulso que tem colocado Portugal no topo da lista negra, tal é número de mortes e infectados.

Marcelo Rebelo de Sousa limitou-se a lembrar a quem manda que importa ser coerente e consequente, de modo a que qualquer reabertura responsável e progressiva e que o desejado regresso à nova normalidade não seja mais um novo intervalo entre duas vagas.

Desta vez a mensagem foi aparentemente bem acolhida pelas partes, depois de um tempo dominado por hesitações e restrições intermitentes que prolongam a crise e a incerteza. Uma aceitação tácita também na Região, mas que não branqueia uma semana pródiga em “sinais errados”. Um deles foi dado por Miguel Albuquerque ao garantir que, ao contrário do continente, a economia regional está a funcionar. Os que porventura suspiraram de alívio perante tamanha revelação podem ter acreditado que os hotéis estão com ocupações invejáveis, apesar de 52% estarem fechados; que os restaurantes servem almoços como nunca, quando se vê cada vez mais gente de marmita na mão; que as lojas comerciais surgem desafogadas, embora quem faça a gestão corrente reclame por ajudas públicas que tardam.

Nesta terra onde o salário mínimo é de 682 euros e os poucos turistas que se atrevem a procurar sossego e boa rede digital não aquecem o motor da economia, as palavras do Presidente distorcem a realidade, mesmo que tenha anunciado de uma assentada investimentos de dezenas de milhões de euros. Exceptuando os supermercados, sempre a facturar porque ninguém vive sem comer, a banca, onde alguns vão desesperados à procura de crédito e de poupanças, e os serviços de saúde, pois é melhor prevenir do que remediar, ninguém faz fila para nada. O dinheiro até pode circular, mas apenas em circuito fechado. Por isso, não basta antecipar o recolher obrigatório neste Carnaval feito de máscaras cirúrgicas para as 18 horas, lesando as actividades comerciais. Sem ter gestos concretos de solidariedade. E ajudar não é dar esmolas. Quem não sabe com o que conta no final do mês, nem tem tempo para vadiar, merece mais respeito.

Outro sinal errado foi dado pela ‘task force’ regional da vacinação ao fazer passar a ideia que o processo corre normalmente. Se são precisos três meses para vacinar 10% da população nem é preciso ser um às em matemática para perceber que alguns dos nossos mais frágeis estarão entregues à sua sorte até final do ano. Neste quadro há uma frase que merece ser sublinhada: “Vacinar é o acto mais poderoso quando falamos em saúde pública e desde que a vacina esteja disponível, essa vacina é administrada. O utente não deve recusar”. O secretário regional da Saúde estava a falar para os políticos que prescindiram da sua vez na era vacina da Pfizer e agora já temem inocular a duvidosa da AstraZeneca?

Sinal errado também deram os que asseguraram que a Região estava a testar muito e bem. Não é verdade. No MAISDIÁRIO, que lançamos na passada segunda-feira, revelamos que neste Fevereiro, a Madeira tem estado a realizar menos testes de PCR, para diagnosticar infecções por Covid-19, do que em Janeiro. No primeiro mês deste ano, o Laboratório de Patologia Clínica do SESARAM realizou uma média diária de 1.413 testes. Nos primeiros nove dias de Fevereiro, essa média caiu para 1.191, o que significa um decréscimo de 221 testes em cada dia. Ora este decréscimo ocorre numa altura em que os especialistas pedem testagem massiva com urgência. Na Região, como se sabe a destoar no País que já conseguiu com rapidez chegar a um índice de transmissibilidade da infecção pelo novo coronavírus abaixo de 1, precisamos de mais acção e menos intimidação, mais estratégia de retoma e menos medo, caso contrário, vamos passar a vida em casa, num processo de morte lenta, sem que ninguém tenha arte e coragem para desconfinar.

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