Artigos

Ferry: prometer é fácil, cumprir é que não

Os temas da “continuidade territorial” derivam do Tratado de Funcionamento da União Europeia e da lei fundamental. Apesar da Constituição não consagrar terminologicamente esse princípio, revela que o Estado deve promover o desenvolvimento harmonioso em todo o território nacional, inclusive a coesão territorial e o carácter ultraperiférico dos arquipélagos portugueses.

O dossier do Ferry, como meio de transporte para garantir maior conetividade marítima e internacional à Região Autónoma da Madeira, encerra um emaranhado de promessas, entraves e barreiras.

Quando o atual presidente do Governo, Miguel Albuquerque, prometeu eleitoralmente a ligação Ferry (2015), fazendo inscrever no manifesto eleitoral a frase “promover uma ligação marítima de passageiros ao Continente Português” fê-lo, sem dúvida, na garantia de passar essa certeza, e essa realidade, para o cidadão. E sem subterfúgios. Terá sido?

Em Maio de 2015, ainda fresquinho na cadeira do poder, e aquando da discussão do Programa de Governo, tornou, Miguel Albuquerque, a reforçar esse compromisso: “Relativamente às ligações marítimas a nossa intenção também é a reposição da ligação marítima de passageiros com carga agregada, vulgo ferry. Estamos já a trabalhar neste processo.“(sic). Vídeo facilmente visualizável nas redes sociais, plataforma que escapa ao crivo da propaganda seletiva.

Passados dois anos, a promessa vai desvanecendo. Em 2017, na Assembleia, e quase em notória negação pelo compromisso eleitoral, Miguel Albuquerque relata que afinal a operação não é viável pelas regras de mercado, porque no “mínimo cada operação cada viagem, custava entre 250 a 280 mil euros” (sic).

Conclusão que se tira, de forma simples: se não era alegadamente viável, ou se não era exequível economicamente, por que razão o Ferry constou, sem hesitação, do manifesto eleitoral do PSD? Engodo eleitoral? E ainda: aproveitamento eleitoral pela elevada expetativa dos cidadãos e das empresas que ansiavam por uma ligação regular a fim de trazer maior concorrência e competitividade à economia regional, já de si demasiado condicionada pela concentração monopolista da cadeia de abastecimento à Região?

Os cidadãos esperam que os políticos cumpram as suas promessas, e que não as adiem, nem manipulem e as passem, de mão em mão, num jogo de partilha de responsabilidades ensaiada por agências de comunicação e por “fretes” de propaganda.

O Ferry, de ligação semanal e durante todo o ano, foi prometido, ponto. E não foi cumprido. O que houve em 2018 foi um “quarto de ferry”, meia dúzia de meses, custando 9 milhões ao contribuinte, sem tempo de maturação para possibilitar a organização do mercado e uma aposta empresarial com estabilidade.

Resta saber, e com muita opacidade neste dossier, porque se estabeleceram demasiadas barreiras legais, burocráticas, portuárias e logísticas para alavancar um transporte marítimo mais moderno. Deixarei este tema para outras abordagens.

Resta, também, saber por que razão o Governo Regional da Madeira não mexeu uma palha visando estabelecer uma relação próxima ao nível dos transportes marítimos com o Governo de Canárias, e após ter feito chegar essa proposta, após uma reunião com o executivo canário em final de 2018.

A viabilidade definitiva do Ferry está do lado do governo e das autoridades, se não colocarem entraves aos operadores. Cabe aos governos proporcionar aos eventuais interessados as condições necessárias, com equidade e transparência, para que o negócio seja aberto, proporcionando condições equitativas e viáveis financeira e operacionalmente.