Crónicas

Os licores e outras bebidas

No Laranjal nunca se ia a tempo a nada, o melhor que se podia aspirar era chegar em cima da hora

Todos os anos a minha mãe prometia o mesmo, que era desta que se havia de organizar cedo para a Festa. E dizia isso mais ou menos a meio de Outubro ou quando alguma senhora, daquelas a quem entregava os bordados ou uma das primas passava de visita. Depois de declarar que os dias quentes do outono serviam só para doenças, a conversa virava depressa para os preparativos do Natal, de assuntos tão variados como os licores ou palpites sobre se os vasos de sapatinho iam dar flor que chegasse para enfeitar o Menino Jesus na escadinha e vender.

A minha mãe tinha mais gosto nos sapatinhos, que fazer licor não era assunto onde matasse muito a cabeça. E a história de fazer infusões que demoravam meses a apurar não acertava com o temperamento, nem com o estilo de vida na casa do Laranjal onde, todos os dias, se acordava para um dia que não ia dar para tudo. A minha mãe levantava-se às seis da manhã e, em dez minutos, começava o caos, que ela fazia o almoço ao meu pai, cosia botões na roupa de trabalho e ainda metia água ao lume para o café.

Em pouco mais de 45 minutos, estava a cozinha virada do avesso e o meu pai a descer a toda a pressa pela escada para não atrasar o transporte para as obras dos aviários no Caniço. E, em vez de pensar em fazer os preparativos para Festa, a minha mãe tinha mais em que se ocupar: havia galinhas e cães, era preciso ir buscar o pão e, de caminho, trocar confidências com a minha tia Teresa. A minha mãe não comprava um prato, nem mudava um móvel de lugar sem ouvir o conselho da minha tia.

Mas todos os anos tinha a ideia que ia ser diferente, que começava a limpar os armários cedo e que não ia à farmácia comprar essência para licores. Os tubos das essências – uns frascos em vidro com corantes chamativos – fazem parte do imaginário da minha infância, pareciam poções mágicas, mas eram apenas atalhos para ter licores feitos em casa mais depressa e para os ter prontos para as visitas, quando os primos faziam a ronda nas oitavas. A casa da Alice, a casa Teresa e da Conceição e a casa da Celina.

E a casa da Celina era a nossa, ali na curva, onde ao menos a sala das visitas estava limpa e arrumada e havia o que beber e umas azeitonas de aperitivo. Para o caso, não vinha a propósito, que fosse resultado da arte de cortar caminho, da qual a minha mãe era mestre. Até podia ser, mas as nossas visitas iam sempre encantadas da casa do Laranjal. Se não fosse pelo aprumo doméstico, era de certeza pelo jardim e a simpatia, que a minha mãe recebia bem e tinha conversa, não se davam aqueles silêncios estranhos e constrangedores.

No Laranjal nunca se ia a tempo a nada, o melhor que se podia aspirar era chegar em cima da hora, fosse para o autocarro, fosse à missa ou a outro lugar que estivesse combinado. E também não se garantia muita ordem, nem muita arrumação, mas quem chegava era recebido com aquele jeito caloroso da minha mãe, que até a casa, sujeita a aragem fria que subia do ribeiro, parecia quente.