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A Era da Bipolaridade

A verdade de cada um começa a depender do interesse da hora e lá todos querem amar-se

Quando percorremos as redes sociais percebemos rapidamente como tudo é tão fácil, falso, frágil e fugaz. Porque conhecemos as pessoas, e algumas fazem parte do nosso mundo real, é estranho comparar a realidade dos factos à montra das redes.

O que tantas vezes por lá aparece são apenas construções momentâneas que têm por objetivo servir interesses pessoais. Sendo tão fácil perceber fica-me tantas vezes a dúvida da leveza da incoerência. Poderá chamar-se mesmo hipocrisia assumida que de tanto ser usada a certa altura confunde-se com a realidade. A verdade passa a ser totalmente subjetiva.

A verdade de cada um começa a depender do interesse da hora e lá todos querem amar-se, adorar-se, prometer afetos eternos, criar laços de e para a vida. Aquela vida onde tão facilmente se expõe sentimentos, afetos e emoções.

E cá fora tudo continua tão diferente do que por lá se passa. Onde ficam as pessoas reais que quando se libertam da montra pedem ajuda, conselhos, choram, gritam, zangam-se, gostam de quem gostam e quando não gostam reagem e anseiam tomar decisões.

Estamos a viver a era da bipolaridade.

O que mais me preocupa são os exemplos que trespassam para as gerações ainda em formação. A mentira gratuita ilustrada por belíssimas fotos que contrariam a realidade das rotinas de vida.

A destreza destes movimentos vai permitindo acreditar que é possível alterar a realidade construindo identidades falsas, facilmente absorvidas na vida digital. Os influencers fazem disto uma profissão, uma encenação, e é claro o proveito que daí retiram. A todos os outros deixo aqui uma oportunidade de reflexão.

Não querendo reduzir o uso do digital a esta tendência crescente de vidas recriadas no ecrã das redes sociais, a verdade é que para quem trabalha na área da saúde mental não é possível ignorar os riscos e consequências cada vez mais evidentes daqui resultantes.

Tenho a certeza que a maior parte das pessoas entende a minha preocupação, o que não tenho como certo é que uma grande parte tenha consciência da facilidade com que se movimenta neste jogo de sedução. É tão incrível como assustador e tantas vezes inacreditável.