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Investigador adverte que quando se vende a verdade "por definição é mentira"

Miguel Crespo é um dos responsáveis pelo relatório 'Informação e desinformação sobre o coronavírus em Portugal'

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Miguel Crespo, investigador do ISCTE e um dos responsáveis pelo relatório 'Informação e desinformação sobre o coronavírus em Portugal', adverte os internautas que "sempre que alguém nos tenta vender uma verdade, ela por definição é mentira."

Os grupos intitulados "pela verdade", que afirmam abranger profissionais de vários campos, como médicos, jornalistas e advogados, correspondem a um movimento que tem como objetivo "pôr em causa o sistema, os factos e as medidas tomadas pelo Governo para combater a pandemia", afirma Miguel Crespo. Acrescenta ainda que este tipo de grupos não tem origem portuguesa, tendo surgido inicialmente em Espanha, onde chega a níveis ainda mais alarmantes em termos de propagação.

O jornalista e investigador considera ainda que os "arautos da verdade", sustentados por discursos aparentemente articulados, mas sem qualquer fundamentação científica, são os "grandes produtores profissionais de 'fake news'".

Estas relacionam-se especialmente com conspirações sobre a pandemia, cuja mediatização alcança um "impacto muito grande" e que têm como objetivo principal descredibilizar as instituições como um todo e provocar ondas de instabilidade na própria sociedade. "Descredibilizamos a ciência, por isso as pessoas acreditam em qualquer disparate; descredibilizamos os médicos, portanto usar máscara faz-nos ter problemas de respiração; descredibilizamos o poder político, portanto o que o Governo diz não é para cumprir; descredibilizamos as forças de autoridade e, portanto, não interessa se há confinamento", explica.

Segundo os dados recolhidos nesse estudo sobre notícias falsas durante a pandemia, entre março e junho registou-se um pico de divulgação de 'fake news' relacionadas com o novo coronavírus, chegando a serem identificadas cerca de 70 notícias recorrentes, como ficheiros de áudios, de supostos profissionais de saúde, que ganharam grandes dimensões de propagação pela rede social Whatsapp.

O investigador e jornalista considera que a criação destes conteúdos se relaciona na base com movimentos organizados e por vezes institucionais, assumidamente "anti-Estado, anti-autoridade e antissistema", que instrumentalizam o descontentamento das massas.

A propagação destas ideias ocorre especialmente em redes sociais, que durante muito tempo beneficiaram com a partilha de notícias falsas e consequentemente não assumiram qualquer responsabilidade em filtrar a maioria dos seus conteúdos. "As redes sociais têm como objetivo que as pessoas interajam e que haja discussão, portanto as 'fake news' são boas para o negócio" das plataformas, defende Miguel Crespo.

Atualmente, plataformas como o Facebook, Twitter ou Instagram têm vindo a apostar na revisão e filtragem de publicações que possam conter informações erradas, alertando os seus utilizadores sobre a veracidade dos conteúdos, deixando ainda assim nas mãos dos mesmos a responsabilidade de perceber e distinguir o que é ou não verdadeiro: "As redes sociais distanciam-se do papel de censores ou reguladores, ao não censurarem ou eliminarem conteúdos que não sejam verdadeiros e apenas ao avisarem as pessoas quando há dúvidas ou quanto a temática é sensível", critica o investigador.

O perigo da desinformação é ainda uma realidade em Portugal e será durante muito mais tempo, prevê o investigador do ISCTE. "Não se acaba com as 'fake news'", garante Miguel Crespo, ressalvando ainda que alguns países já testemunharam as consequências reais das mesmas -- "as notícias falsas sobre a COVID-19 podem pôr em risco a nossa saúde e no Brasil, EUA e na Índia, já mataram pessoas."

O combate ou limitação da propagação das mesmas passa especialmente por promover uma maior literacia mediática junto da população e capacitá-la das ferramentas necessárias para encarar com um olhar crítico o que consome nas redes sociais.

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