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Trocar as construções em betão por madeira ou pedra? Engenheiro premiado diz que sim

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Especialista galardoado em recuperação de património defende alternativas mais amigas do ambiente

O betão domina o mundo da construção moderna, mas pedra e madeira são alternativas ambientalmente mais sãs, defende o engenheiro galardoado Vítor Cóias, que em entrevista à agência Lusa contesta a desvirtuação do património histórico.

Vítor Cóias, que recebe na quinta-feira a medalha Richard Driehaus para a Preservação do Património, salienta que o betão armado tem o seu lugar, mas que há formas de construir "com muito menos impacto ambiental" edifícios de grandes dimensões.

"Há construções que não poderiam ser feitas de outra forma senão com betão, como os viadutos ou as barragens. É um material incontornável, mas devia haver alternativas", refere, apontando "a alvenaria de pedra, de tijolo, ou a madeira", extensamente utilizada em países como a Suíça.

"Nós podíamos fazer o mesmo", sugere.

"Hoje, vivemos com a preocupação das emissões e a indústria cimenteira é uma das principais em termos de emissões de gases com efeito de estufa", afirma, salientando que "é um processo que consome imensa energia e tem um tremendo impacto sobre o ambiente".

Para fabricar cimento é preciso "transformar a pedra em pó e depois arranjar um processo de, misturando esse pó com inertes, como brita ou areia, adicionar água" e voltar a ter pedra na forma que se quer.

"É muito cómodo, mas o que se está a fazer é a gastar imensa energia a arrancar a pedra, a moê-la, a injetar pó de pedra para dentro de fornos rotativos, produzir o material em fusão para obter outra vez pó, ensacá-lo, metê-lo em camiões e levá-lo para obras para voltar a ser transformado em pedra", resume.

Todo o processo liberta dióxido de carbono para a atmosfera e o impacto na paisagem provocado pelas pedreiras como a da Serra da Arrábida é "escandaloso", especialmente por, naquele caso, se tratar de uma área protegida.

Para as alternativas ganharem espaço, defende, uma das formas seria pôr o preço das "externalidades das indústrias" a pesar no produto: "Se no custo do cimento contasse a tonelagem de dióxido de carbono lançado para a atmosfera e os estragos irreversíveis, o cimento custaria muito mais".

"Não existindo essa contabilização, e como a massificação da construção incide sobretudo na utilização do betão, não há capacidade para baixar o custo da construção em alvenaria e madeira para ser competitiva", reconhece.

Nascido em Sousel em 1943, Vítor Cóias cresceu na Angola colonial e antes de conhecer Lisboa, habituou-se ao traço de Nova Lisboa (hoje Huambo), uma cidade que "só existia há 50 anos".

Quando foi para a capital da metrópole aos 18 anos para estudar engenharia no Instituto Superior Técnico, marcou-o o "conjunto arquitetónico extraordinário e antiquíssimo de Lisboa, que é uma cidade que não se sabe quando começou".

Uma das áreas em que se especializou, e a que lhe vale a distinção da rede internacional INTBAU, que preserva a construção, arquitetura e urbanismo tradicionais, foi a recuperação do património histórico, onde se apercebeu que o betão era um intruso a evitar.

"O betão é uma tecnologia construtiva que se iniciou em Portugal no início do século XX e não é compatível com os materiais antigos, tem incompatibilidades graves e estava na origem de muitos danos apresentados pelas construções históricas, porque durante muitos anos a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais baseou-se na utilização do betão em construções antigas", aponta Vítor Cóias, que salienta que este material continua a ser usado onde não devia.

Na Baixa Pombalina de Lisboa, onde as suas empresas e equipas fizeram trabalhos quer de recuperação quer de diagnóstico de problemas, houve "muitos edifícios renovados em que se destruiu o interior desnecessariamente, substituído por betão armado".

O trabalho de arquitetos e engenheiros como Carlos Mardel, Manuel da Maia ou Eugénio da Fonseca na reconstrução pós-terramoto de 1755, pensada para "que os edifícios não se voltassem a desmoronar", foi desvirtuado por intervenções em que "ficaram as paredes exteriores e se rasgaram paredes de alvenaria para pôr vigas e pilares".

Só que o betão armado precisa de ter no interior "armaduras de aço, que mais tarde ou mais cedo começam a ser corroídas e a apresentar danos visíveis".

Apesar de essas intervenções terem sido "proscritas pelos planos de salvaguarda da Baixa", por parte das autoridades continua a haver, "na prática, uma recetividade exagerada à promoção imobiliária, de projetos com finalidade turística que levaram a que muitos edifícios tenham sido alterados de uma forma que não é consentânea com o seu valor como património".

"Hotéis e alojamentos locais permitiram uma aceleração da desvirtuação da Baixa. É uma pena que esteja a acontecer e já há quem dê como perdida a candidatura da Baixa a património da Unesco, porque as alterações são tantas que já pouco resta do que tinha valor", lamenta.

Uma zona como os quarteirões pombalinos precisa de ser entendida como "um ecossistema estrutural", em que o comportamento de um edifício influencia o dos outros.

"Os edifícios trabalham em conjunto. Quando se coloca betão num e se influencia a sua rigidez, todos os outros são afetados. É uma falha grave de atual abordagem atuar em cada edifício, separadamente, porque não se fica com certeza que, do comportamento de um edifício, não resultem danos para os outros", salienta.

A medalha Driehaus, atribuída em associação com o prémio de Nova Arquitetura Tradicional Rafael Manzano, que este ano distinguiu Fernando Martín Sanjuán, é entregue na quinta-feira em Madrid, numa cerimónia virtual, devido à pandemia de covid-19.

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