“Há histórias que ficam na história da gente”

Abri pela enésima vez o baú das minhas memórias e,uma após outra,as lembranças e vivências lá guardadas foram desfilando, conduzindo-me a um passado não muito distante.Num instantinho voltei à minha infância e aos meus tempos de menina e moça. Olho lá para trás e vejo a casa onde nasci e cresci pobre, mas feliz;a Escola que frequentei,os colegas de carteira, os caminhos de terra batida que calcorreei ao Sol ou à chuva ,porque não havia carros...Consigo ouvir os nossos risos,visualizar as nossas brincadeiras na ida para a escola e no regresso a casa pela tardinha, às vezes já noite.

Nos campos à nossa volta cresciam as searas de trigo,de cevada e de centeio.Nas bermas da estrada colhíamos flores silvestres para oferecer aos estrangeiros (para nós eram todos ingleses) em troca de algumas moedas.Nas colinas,os moinhos, de velas enfunadas ,moíam pachorrentamente o grão de trigo ou milho.A minha memória olfactiva devolve-me o cheiro da farinha acabada de fazer.O moleiro era muito afável e mostrava-nos sempre com muito cuidado e paciencia como tudo funcionava no interior do moinho.

A Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno respeitavam escrupulosamente o calendário do tempo.

As nossas compras eram quase todas feitas na mercearia onde havia quase tudo.Toda a gente comprava fiado,com a promessa de pagar no final de cada mês,ficando anotado no rol do merceeiro e no rol do freguês.

A água para consumo em casa era trazida da fonte pública, levada em latas aos ombros dos homens (cajado)ou à cabeça pelas mulheres.Só havia luz eléctrica na rede pública ou em casa de alguém com mais posses.Telefone só nos Correios ou nalgumas mercearias.Não me lembro de termos ficado totalmente isolados durante o Inverno porque os carreireiros não paravam para manutenção. No Verão recebíamos os “senhores da Madeira”que tratávamos com muito respeito,com alguma vergonha e até reverência. Oferecíamos-lhes os melhores figos,uvas e melancias.Eram eles (os visitantes) que enchiam as ruas da Vila durante o dia e à noite o “passeio” com as suas tertúlias. No nosso vocabulário não figuravam as palavras poluição, vandalismo e libertinagem, a torto e a direito.À época ,o Homem e a Natureza conviviam harmoniosamente. Até os anos 70,sensivelmente.

A pouco e pouco o progresso foi surgindo e, a par dos benefícios evidentes que touxe,foi provocando grandes alterações na vida das pessoas e no meio envolvente.

Onde havia searas ,há urbanizações. O cultivo da vinha que se estendia por uma grande extensão junto à orla marítima, deu lugar a construções de grande vulto,quase em cima da praia.

Os moinhos pararam.
As noras calaram-se
As fontes secaram
Muito do nosso património já se perdeu.
Mas (ainda )nem tudo está perdido.

De algum tempo a esta parte,as palavras biodiversidade ,geodiversidade,biosfera andam na boca de quase toda a gente.Muitos (tal como eu também )nem saberão muito bem do que se trata, mas o que importa efectivamente é preservar o que ainda não foi destruído pela incúria ou pelo tempo.

Que os nossos governantes, actuais ou futuros,assumam de corpo inteiro,com audácia e com brio a responsabilidade que lhes foi conferida com a atribuição do galardão “Reserva da Biosfera” à ilha do Porto Santo.

Que sejam usados todos os mecanismos que têm ou terão à disposição para que este não seja mais um projecto que nasceu,mas não cresceu nem deu fruto.

P.S. (Recordar não significa querer voltar ao passado)

Madalena Castro

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