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Fact Check Madeira

Pode um jornalista ser impedido de recolher imagens num local público?

Direcção da Madeira do Sindicato de Jornalistas repudia constrangimentos colocados à captação de imagens pelo director-adjunto do Funchal Notícias

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Foto Shutterstock

Rui Marote foi abordado, ontem, por um agente da PSP, tendo-lhe sido dito que não podia tirar fotografias sem a sua autorização

Um episódio ocorrido, ao início da tarde de terça-feira, 16 de Setembro, envolvendo o director-adjunto do Funchal Notícias, motivou hoje uma tomada de posição por parte da direcção da Madeira do Sindicato de Jornalistas.

O fotojornalista Rui Marote foi interpelado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) quando, no decorrer do exercício das suas funções, captava imagens sobre o corte de buganvílias que estava a decorrer na Rua Brito Câmara, junto ao auto-silo do Edifício 2000.

Conforme noticia hoje o Funchal Notícias, o repórter encontrava-se na margem da ribeira e, no momento em que estava a registar a acção, foi abordado por um funcionário da Câmara Municipal do Funchal que lhe disse que não queria ser fotografado. Entretanto, um agente da PSP, presente no local para orientar o trânsito, reafirmou que o jornalista não podia tirar fotografias sem sua autorização e, perante a argumentação do mesmo, exigiu-lhe que apresentasse o cartão de cidadão.

Além do repúdio da referida estrutura sindical, o sucedido coloca algumas questões – sobre o direito à liberdade de expressão, o direito à imagem, o direito de acesso a locais públicos pelos jornalistas e ainda sobre a acreditação profissional dos mesmos – que importa esclarecer.

O direito de acesso a locais públicos e o exercício desse direito é reconhecido nos artigos 9.º e 10.º do Estatuto do Jornalista (EJ).

Os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa Artigo 9.º do Estatuto do Jornalista
Os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei. Para a efectivação do exercício do direito previsto no número anterior, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade Artigo 10.º do Estatuto do Jornalista

A isto acresce que a própria Constituição da República Portuguesa (nos artigos 37.º e 38.º) consagra que "os jornalistas não podem ser impedidos ou limitados por qualquer tipo ou forma de censura".

É, não obstante, ressalvado que existem limites constitucionalmente autorizados ao respectivo exercício, nomeadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem.

Ora, conforme o disposto no artigo 79.º do Código Civil, "o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada".

Todavia, a atendendo ao número 2 do referido artigo: "Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

Por outro lado, o retrato não pode ser "reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada". No caso em questão – o corte de buganvílias, no meio do Funchal, em plena luz do dia – dir-se-ia que tal afigura-se improvável. 

Por outro lado, o Funchal Notícias evidencia que "os próprios polícias podem ser fotografados na via pública, como qualquer outro cidadão", remetendo para um fact-check publicado no jornal Polígrafo de 21 de Abril de 2021, que faz referência à “Directiva 04-INSP-2014, intitulada como 'Captação de imagens de pessoal e acções policiais', apontando precisamente para o segundo ponto do supracitado artigo 79.º do Código Civil, sublinhando que “não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.

A isto acresce que o mesmo agente que interpelou Rui Marote pediu ao fotojornalista o Cartão de Cidadão, mas como o mesmo não o tinha consigo, identificou-se com a Carteira Profissional de Jornalista.

"O agente que se encontrava no local desvalorizou o documento que o identificava como jornalista e exigiu, novamente, o Cartão de Cidadão. Na falta de documento, o agente terá chamado um carro-patrulha com vários agentes para auxiliar na identificação do Rui Marote. Na ocasião, terão feito toda e qualquer pergunta, incluindo as habilitações literárias do repórter, como se de um criminoso se tratasse", expõe o Sindicato dos Jornalistas.

Importa sublinhar que – pese embora a situação tenha ficado resolvida através da intervenção do subintendente Fábio Castro, que ao ser contactado para ajudar a resolver a situação sobre fotografar em espaços públicos, fez questão de citar a lei e assim impedir que o caso escalasse para outro patamar – o número 4, do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 70/2008, que regula a acreditação profissional, estabelece o seguinte:

Para a identificação do jornalista em exercício de funções é suficiente a apresentação da carteira profissional, não lhe podendo ser exigido qualquer outro documento, salvo por parte de autoridade policial e desde que haja fundada suspeita de falsidade ou invalidade do título

"O Sindicato de Jornalistas tem sempre uma postura de sensibilização e não pode permitir que qualquer jornalista, com carteira profissional, possa ser destratado no âmbito das suas funções. Ainda para mais, neste caso estamos a falar de um profissional com 53 anos de carteira profissional e 80 de idade. A direcção da Madeira do Sindicato de Jornalistas estará sempre atenta a quaisquer tentativas de silenciamento, pressão, situações intimidatórias perpetradas aos jornalistas e usará a voz para denunciar essas situações", sublinha a direcção da Madeira do Sindicato de Jornalistas, acrescentando que já pediu explicações ao Comando Regional da PSP e à autarquia do Funchal.

Pode um jornalista ser impedido de recolher imagens num local público?