É a primeira vez que a CMF é penhorada por causa da dívida da água?
A Câmara do Funchal anunciou uma penhora de um milhão de euros e o debate entre situação e oposição aqueceu no final desta semana.
A história já vem de longe e entre disputas judiciais e acumular de dívidas, a conta fica por pagar ou é paga a conta-gotas, além de juros acumulados. Neste fact-check não procuramos saber quem tem razão nessa contenda que, ressurgindo a poucos meses das eleições autárquicas, mais parece aquecimento entre mais do que prováveis adversários em campanha.
Adiante. Fomos ao 'baú' e encontramos em 2014, por exemplo, no Orçamento da Câmara Municipal do Funchal, a queixa pelo "elevado aumento dos tarifários aplicados pelas empresas do setor público regional Investimentos e Gestão da Água, S.A. e Valor Ambiente, Gestão e Administração de Resíduos da Madeira, S.A., aplicados desde Abril de 2014, que causam sérias dificuldades no cumprimento dos pagamentos do ano 2014, que afectarão o orçamento de 2015, através da inevitável transferência de pagamentos de facturas do ano 2014, para o ano 2015, observando sempre os prazos previstos na Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso", tendo o preço da água aumentado 18,38% e o tratamento e destino final dos resíduos hospitalares crescido 3.624%. Ainda que no mesmo documento a CMF referia "as receitas provenientes da venda de água, que é a segunda maior receita do Município do Funchal (12M€)".
Foi em 2015 que tudo começou a 'descambar', pois "na aquisição de água durante" esse ano, "está refletido o aumento de 2,3M€, correspondente não só ao aumento do tarifário imposto pela IGA (actual ARM), como também ao pagamento de faturas de 2014 que irão transitar para 2015. Recorde-se que no orçamento de 2014 esta situação não ocorreu, pois todas as faturas da IGA até 31 de Dezembro de 2014 foram incluídas no acordo de pagamento com aquela entidade", frisava.
Passando rapidamente para a actualidade, o orçamento municipal de 2025 conta que a maior contribuição para as receitas advém das vendas de "mercadorias, com 12,2M€ (46,6%, onde se destaca o fornecimento de água potável com 10,7M€, seguindo-se os Resíduos Sólidos e as Rendas com 5,9M€ (22%) cada, e por último os Parques de estacionamento com 1,1M€ (4,2%)". A dívida à ARM consta do orçamento da CMF, sendo que "todo o passivo está reflectido na conta de provisões", informa a CMF.
No final da semana passada a presidente da CMF, Cristina Pedra, anunciou que a autarquia foi alvo de penhora de um milhão de euros, como noticiámos. "Em causa a falta de pagamento de facturas de fornecimento de água e tratamento de resíduos por parte da Autarquia nos mandatos da coligação 'Confiança'" (2013-2021). O mandado de penhora da conta bancária da autarquia, foi executado pela Autoridade Tributária, "por força de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o qual não é susceptível de recurso".
A presidente da Câmara Municipal do Funchal "fez saber que outras penhoras do género poderão vir a surgir no futuro, sem, contudo, conseguir apontar quando ou de que montantes", criticou as 'decisões irresponsáveis' tomadas pelos anteriores executivos, liderados por Paulo Cafôfo e Miguel Silva Gouveia". E acrescentamos: "A edil fez questão de notar que as quatro penhoras, no valor total de 996.130 mil euros agora executadas, não se devem a qualquer decisão no âmbito do processo interposto contra a ARM, em 2017, pelo executivo então liderado por Cafôfo, cujos termos ainda decorrem, não havendo, para já, qualquer decisão, de qualquer instância. Referem-se, apenas, à execução de algumas facturas, do conjunto que não foram pagas e outras omitidas pela 'Confiança'."
Câmara do Funchal alvo de penhora de um milhão de euros
Em causa a falta de pagamento de facturas de fornecimento de água e tratamento de resíduos por parte da Autarquia nos mandatos da coligação Confiança
O actual vereador da oposição, líder da Coligação Confiança, não perdeu tempo a responder. Miguel Silva Gouveia acusou Cristina Pedra de "falta de vergonha absoluta" ao imputar responsabilidade à actual oposição. Disse que a autarca “não foi capaz de evitar que o município fosse objecto de uma penhora. ‘Isto, obviamente, demonstra uma falta de responsabilidade absoluta, numa tentativa quase obsessiva de tentar imputar responsabilidades à 'Confiança' e incumprindo com aquilo que foi dito ao longo dos tempos por este Executivo PSD’”.
E acrescentou: “Em 2021 disseram que estavam a negociar um acordo com a ARM e assumiram a dívida na sua totalidade, em 2022 anunciaram que tinham assinado esse acordo, em 2023 disseram que já estava resolvido e tinham estancado quaisquer juros. Na verdade, três anos e meio depois percebemos que não foi pago nenhum cêntimo daquilo que este Executivo PSD quis reconhecer e agora ainda tentam imputar responsabilidades para o Executivo anterior. Que falta de vergonha na cara.”
Miguel Silva Gouveia, na resposta pouco tempo depois da denúncia da sua adversária, quis esclarecer que “não é verdade que o município não tenha pago as facturas", garantindo que "houve uma tentativa de aumento de 21% da água nos tarifários", o qual "não era legítimo" nem "justificado". E acrescentou: "Por essa razão colocaram, em tribunal, uma acção impugnando esse aumento, sobretudo por considerarem que o mesmo não tinha fundamento, além de que era a Câmara quem estava a arcar com os investimentos na rede de água da cidade, como ainda hoje acontece."
No braço de ferro, que "correu termos no Tribunal Administrativo e o juiz determinou, num acórdão, que a Câmara só pagava o valor que reconhecia, ficando o restante valor à guarda do Tribunal. E foi isso que ficou, foi isso que fizemos", justifica.
'Confiança' rebate críticas e devolve culpas ao actual Executivo do Funchal
Miguel Silva Gouveia acusa Cistina Pedra de "falta de vergonha absoluta" de imputar responsabilidade à actual oposição
No dia seguinte, 28 de Fevereiro, a actual gestão autárquica, em plena sessão da Assembleia Municipal disse que a "dívida resulta do não pagamento das facturas da ARM entre 2013 e 2021, referentes ao fornecimento de água e ao tratamento de resíduos sólidos. Os executivos da 'Mudança' e da 'Confiança' alegaram que a actualização do tarifário era inadequada e, por isso, decidiram suspender os pagamentos", lembramos na notícia.
Tendo o vice-presidente da CMF, Bruno Pereira destacado "que o actual executivo, a partir de 2022, firmou um acordo com a ARM, comprometendo-se a liquidar 100% das facturas em atraso, pondo fim à acumulação da dívida. No entanto, a falta de pagamento ao longo dos anos resultou num acumulado de juros que continua a crescer diariamente", frisamos. "A dívida de 2013 a 2021 foi estancada, mas os juros acumulados continuam a aumentar. Deixaram uma média de 3,5 milhões de euros por ano apenas em juros. Estamos agora a lidar com as consequências dessa falha de gestão", acusou.
Executivo da CMF esclarece situação das "dívidas ocultas" deixadas pela gestão anterior
A presidente da Câmara Municipal do Funchal (CMF), Cristina Pedra, e o vice-presidente, Bruno Pereira, fizeram questão de esclarecer, na sessão da Assembleia Municipal que decorre hoje na Escola Horácio Bento de Gouveia, a situação das "dívidas ocultas" relacionadas com a empresa pública ‘Águas e Resíduos da Madeira’ (ARM) deixadas pelos executivos anteriores de Paulo Cafôfo e Miguel Silva Gouveia.
Ora, respondendo à pergunta do título, socorremo-nos de uma notícia publicada na edição do DIÁRIO de 10 de Dezembro de 2020, quando noticiámos que a "CMF dá Palácio da Justiça como garantia da dívida à ARM", a "par de outros bens públicos, para evitar o pagamento da execução fiscal interposta pela Águas e Resíduos da Madeira", lembrando que a empresa pública acenava com uma condenação do Supremo Tribunal Administrativo (STA) à CMF para "pagar 10 milhões de euros à ARM, pela prestação dos serviços de água e de resíduos".
A ARM, na altura já liderada por Amílcar Gonçalves, frisou que a dívida da CMF ascendia a 29,5 milhões de euros, 20 dos quais por causa da água e do lixo. A CMF, na altura liderada por Miguel Silva Gouveia, viu-se obrigada a hipotecar bens públicos, "entre os quais as instalações dos Bombeiros Voluntários Madeirenses, a sede do Clube Desportivo do Nacional, várias fracções de habitação social", apenas "para solicitar a suspensão das execuções fiscais", sendo o mais emblemático o Palácio da Justiça, que "a autarquia deu como garantia", um "edifício emblemático localizado na Rua Marquês do Funchal inaugurado por Américo Thomaz e onde funcionam actualmente o Departamento de Investigação Penal do Ministério Público, os juízos locais criminais e cíveis, os juízos de Família e Menores, de Comércio, o de Execução e o de Instrução".
Entretanto e sem mais, os munícipes do Funchal acabam de saber que têm 53 milhões de euros de dívida da água para pagar. A dívida inicial estaria em 26 milhões de euros e cresceu para pouco mais de 39 milhões de euros. Em 2022, aumentara para 46,5 milhões de euros, à média de 1,5 milhões de euros em juros e custas judiciais, enquanto se espera por uma decisão final do processo. Por isso, no final do ano passado, a conta já era de 52,9 milhões de euros, tendo aumentado 103% em 11 anos.
Confiança condena "desperdício" de 23 milhões de euros pela Câmara do Funchal
A Confiança condenou, hoje, o o desperdício de mais de 23 milhões de euros, por parte da Câmara Municipal do Funchal, referentes a investimentos habitacionais ao abrigo do programa 1º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, assegurados pelo anterior mandato.
O início desta disputa veio na sequência de trocas de acusações, após reunião de vereadores, por causa da problemática da habitação. Até onde irá esta contenda? Só os próprios poderão responder. O que fica claro é que há uma dívida a pagar, restando saber se os tribunais dão razão à CMF ou à ARM.
A oposição “deixou uma mão cheia de nada, deixaram-nos zero”
A presidente da Câmara Municipal do Funchal afirmou, ao início da tarde, que a oposição "deixou uma mão cheia de nada, deixaram-nos zero”. Desta forma, Cristina Pedra respondia às acusações da coligação Confiança, que lamentava uma perde de 23 milhões de euros destinados a habitação no Funchal.
Historicamente a situação vem sendo empolada e adiada a resolução em tribunal, com litigância sobre o deve e haver, entre passa-culpas de ambos os lados dos que geriram a autarquia funchalense até 2013, os que estiveram no poder entre esse ano e 2021 e, agora, na actual gestão, na mais recente disputa que tem um fim, as eleições autárquicas deste ano. Na verdade, a Câmara do Funchal chegou a dar o prédio vizinho, o Palácio da Justiça, entre outros, como garantia para evitar providência cautelar pelas dívidas à ARM. Perante a questão se é a primeira vez que a CMF é alvo de penhora por causa de dívida da água, a resposta clara é não. E promete não ficar por aqui, dado o montante da dívida.