DNOTICIAS.PT
Fact Check Madeira

Será que já houve “inúmeras” descargas de esgotos junto à Praia do Gorgulho?

Foto Rui Marote
Foto Rui Marote

A notícia de uma descarga de esgotos ocorrida hoje num ribeiro que desagua junto à praia do Gorgulho (também conhecida como praia do Gavinas) suscitou alguns comentários na página do DIÁRIO no Facebook. Houve quem garantisse que esta é uma situação recorrente. “Isso é assim, sempre foi assim. Sempre reclamaram”, referiu Élvio Gomes. Décio Pereira garante que “denunciaram a mesma situação inúmeras vezes e nada fizeram”. Será mesmo que houve “inúmeras” descargas de esgotos junto àquela praia?

Para avaliar se esta percepção popular corresponde à realidade dos factos, recorremos ao arquivo de notícias do DIÁRIO. Encontrámos as seguintes ocorrências:

A 5 de Agosto de 2004, o rebentamento de uma conduta de esgotos na Rua do Gorgulho levou a que as águas com dejectos humanos fossem desviadas para o ribeiro que desagua junto à praia do Gorgulho. Alguns frequentadores habituais daquela praia estavam revoltados com mais este despejo de esgotos. “Sempre que há alguma anomalia na rede de águas residuais, nesta zona, esta praia é sempre afectada”, referiu um dos banhistas, na reportagem publicada pelo DIÁRIO no dia seguinte.

A 2 de Dezembro de 2006, por volta do meio-dia, vários banhistas que estavam na zona do Lido e Praia do Gavinas a desfrutar de alguns momentos de praia foram confrontados com uma descarga de esgoto no mar. Alguns estrangeiros estavam presentes no momento em que a água suja começou a cair no mar e assistiram, com indignação, ao cenário. Testemunhas no local explicaram ao DIÁRIO que “o líquido saía de um cano e apresentava uma cor acastanhada”. Em pouco minutos, a zona costeira compreendida entre o complexo balnear do Lido e a praia do Gavinas ficou com uma mancha de cor acastanhada. E para piorar a situação, o local foi ‘invadido’ por um cheiro nauseabundo e o mar ficou com alguns vestígios de papel higiénico.

Em 3 de Agosto de 2008, o DIÁRIO publicou uma reportagem de duas páginas sobre focos de poluição em várias praias do Funchal. O cidadão Bernardino Pereira que no caso do Gavinas todos os dias havia lixo ou borras de esgoto (espuma branca) no mar. O mal estava num ribeiro que desagua ali e traz tudo o que nele se deita. Nem sempre se controla o que dali sai. As histórias de anos anteriores diziam que já se aproveitou para lavar as ferramentas de uma obra e admitia-se que havia descargas clandestinas de esgotos. Não foi o caso que ocorria naquela altura do ano, pois o lixo que era visto a boiar na água era o típico das levadias de Agosto, o que o mar vai buscar às encostas e aos calhaus poluídos.

A 8 de Novembro de 2010, uma avaria no sistema eléctrico da estação de tratamento de águas residuais do Gavinas provocou uma descarga de esgotos para o mar, situação que levou ao encerramento da Praia do Gorgulho aos banhistas. “Houve uma falha de energia dentro da estação, o que impossibilitou que as águas residuais fossem elevadas para o colector da Estrada Monumental”, disse o vereador da CMF Costa Neves, garantindo que a situação seria rapidamente normalizada.

A 13 de Julho de 2011, uma empresa de construção que estava a remodelar e beneficiar um hotel na zona do Lido verteu restos de tinta para o colector pluvial que desagua na praia do Gorgulho. Aqueles resíduos acabaram por poluir o mar e levaram a Câmara do Funchal a hastear a bandeira vermelha naquele espaço balnear. Face a esta violação da lei, a autarquia deu ordem imediata para suspender a obra e foi “instaurado um processo de contra-ordenação”. “A Câmara não admite que um empreiteiro que tem a seu cargo esta obra não tome os cuidados adequados para recolher devidamente esses resíduos e levá-los para o destino mais adequado”, referiu o então vereador Costa Neves, que acrescentou que a coima a aplicar pode chegar a mais de 29 mil euros.

A 2 de Julho de 2014, o Instituto de Administração da Saúde (IASAUDE) da Madeira interditou a banhos a praia do Gorgulho, devido à presença na água de microrganismos nocivos à saúde. Na sequência desta decisão, a Câmara do Funchal anunciou que ia avançar com um inquérito para apurar as possíveis causas do sucedido. O então responsável pela empresa municipal Frente Mar, Carlos Jardim, disse que a costa sul da ilha tem sido muito fustigada por descargas “que têm prejudicado bastante a água”. “A Câmara e a Frente Mar têm tentado controlar ao máximo, sabendo que a responsabilidade de muitas destas descargas não é nossa e que quando a água chega à orla costeira o facto já está consumado”, afirmou.

A 8 de Abril de 2015, a praia do Gavinas invadida por uma mancha acastanhada oriunda do pequeno ribeiro que ali desagua. A situação provocou naturais transtornos a todos quantos pretendiam aproveitar o sol e gozar um dia de praia. Contactado pelo DIÁRIO, o comandante do Porto do Funchal, Félix Marques, explicou que foi possível constatar pelos elementos da Polícia Marítima que se deslocaram ao local que se tratava de água barrenta, provavelmente oriunda de terrenos localizados nas zonas mais altas daquela encosta.

Em 19 de Maio de 2015, a associação Quercus apontou a praia do Gorgulho como uma das seis praias portuguesas com água de ‘má’ qualidade. O então presidente da empresa municipal Frente Mar, Carlos Jardim, assumiu que a existência de um ribeiro que desagua no meio da praia não ajudava. “A água que o ribeiro traz, às vezes, não está nas melhores condições”, admitiu.

Na tarde de 5 de Julho de 2015, a praia do Gavinas foi palco de um despejo de águas residuais, deixando à beira de um ataque de nervos os inúmeros banhistas que aproveitavam um dia de sol. Durante breves minutos, a conduta subterrânea que desagua no calhau esteve a lançar águas residuais nauseabundas que deixaram uma mancha acastanhada no mar. A Polícia Marítima foi chamada ao local. Contactada pelo DIÁRIO, Idalina Perestrelo, vereadora com o pelouro do Ambiente na CMF, explicou que se tratou da “vinda de águas de rega sujas”. A origem concreta era desconhecida. “Estamos a averiguar quem fez essas descargas. Estamos a verificar se foi algum hotel ou outra entidade”, acrescentou.

Em 2 de Maio de 2016, uma mancha de águas residuais com cheio nauseabundo provocou algum desconforto aos banhistas que aproveitaram a manhã de sol para nadar entre a Praia Formosa e a Praia do Gorgulho. A sujidade impediu que turistas e madeirenses mergulhassem no mar e chegou mesmo a afugentar alguns visitantes. A 31 de Maio, em declarações ao DIÁRIO, o então presidente da empresa municipal Frente Mar, Carlos Jardim, confirmava que o ribeiro que desagua em plena praia do Gorgulho é o foco principal de poluição. Para mitigar impactos pontuais, foi feito “um poço de decantação que é limpo semanalmente”, mas que não impede eventuais descargas, “conscientes ou não, que desaguam naquele ribeiro”, explicou o responsável.

A 20 de Junho de 2016, o DIÁRIO fazia notícia de outra descarga de esgotos que manchou a praia do Gavinas. A situação causou “bastante indignação às dezenas de pessoas que se deslocaram ao local para desfrutar do feriado” do dia anterior. Um banhista manifestou a sua preocupação porque “algumas pessoas ignoraram a sujidade e nadaram na água entre os excrementos”. Uma situação que considerou “extremamente perigosa e que pode ter consequências muito graves”. Outro banhista garantiu que no dia 12 de Junho tinha ocorrido uma situação idêntica.

No início de Julho de 2016, a Praia do Gorgulho foi interdita a banhos pelo Instituto de Administração da Saúde da Madeira (IASaúde), devido à detecção de elevados níveis de contaminação bacteriológica nas amostras sujeitas a análise.

Em Junho e Julho de 2017, a praia do Gorgulho esteve interditada a banhos por duas vezes devido à má qualidade da água balnear detectada nas análises regulares que são efectuadas pelas autoridades.

Em meados de Novembro de 2018, o camião de uma empresa de aluguer de casas-de-banho portáteis foi detectado a fazer uma descarga ilegal de dejectos junto à Levada dos Piornais, mais especificamente na Rua da Amoreira, na freguesia de São Martinho. A Divisão de Fiscalização da CMF, que investigava um problema de contaminação das águas no mar junto à Praia do Gorgulho, denunciado pela população, acabou por apanhar os funcionários da empresa em flagrante. A Câmara Municipal do Funchal (CMF) instaurou um processo contra-ordenacional para aplicação de coima e remeteu o caso para o Ministério Público (MP). Segundo noticiou o DIÁRIO em 2018, foi a primeira vez que se identificou em flagrante uma descarga com influência directa no mar do Gorgulho. Em Maio desse mesmo ano, a praia do Gorgulho obteve a classificação de qualidade “má”, figurando no grupo das cinco piores num total de 603 praias portuguesas cujas águas balneares foram analisadas, tendo 87,7% zonas balneares obtido qualidade excelente, segundo a Agência Europeia do Ambiente.

A 2 de Abril de 2019, uma descarga de águas residuais poluiu a Praia do Gorgulho, também conhecida por Praia do Gavinas, no Funchal. Um munícipe partilhou imagens nas redes sociais, onde é possível ver a descarga de água poluída, alegadamente residual, uma vez que libertava um cheiro nauseabundo.

A 14 de Março de 2021, foi registada uma descarga de água suja no ribeiro situado junto à praia do Gorgulho (Gavinas), que acabou por poluir o mar. A Direcção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas (DRAAC) levantou a hipótese da ocorrência resultar de uma descarga de emergência da estação elevatória localizada na Estrada Monumental e pediu esclarecimentos à CMF sobre o assunto. Foi efectuada uma recolha de amostra dos resíduos, a qual foi submetida a análise no Laboratório Regional de Saúde Pública.

A 23 de Junho de 2023, uma avaria na rede de drenagem de águas residuais da Câmara Municipal do Funchal motivou a interdição do acesso ao mar na Praia do Gavinas e o encerramento do Complexo Balnear do Lido. Em causa estava a rotura da conduta elevatória de águas residuais na Rua do Gorgulho, que determinou a interrupção do circuito que bombeia essas mesmas águas para a conduta principal, na Estrada Monumental. O processo de reparação poderia implicar uma descarga pontual de emergência de águas residuais para o mar.

A 26 de Outubro de 2023, uma ruptura da conduta elevatória de águas residuais na Rua do Gorgulho interrompeu o circuito que bombeia essas mesmas águas para a conduta principal, na Estrada Monumental. Uma vez que no processo de reparação seriam efectuadas descargas de emergência no mar, a Câmara Municipal do Funchal decidiu interditar a banhos o Lido e a Praia do Gavinas, até que a situação fosse normalizada.

Em resumo, nos últimos 21 anos foram registadas quase duas dezenas de ocorrências relacionadas com despejos de resíduos e esgotos no mar da Praia do Gorgulho (Gavinas). O que nos leva a concluir que corresponde à verdade que a percepção de que já foram “inúmeras” as situações semelhantes à que se verificou na manhã deste sábado.

“Inúmeras vezes que já denunciaram a mesma situação” de despejo de esgotos junto ao Gorgulho – Décio Pereira no Facebook