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Fact Check Madeira

Terá sido na Madeira que foi visto o primeiro ‘peixe-diabo’, que agora é notícia mundial?

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Desde sexta-feira foram publicadas diversas notícias na imprensa de Espanha e internacional sobre o primeiro avistamento em águas superficiais daquele país de um ‘peixe-diabo negro’, uma espécie marinha rara, com corpo disforme e aspecto algo assustador, que vive em águas profundas. As notícias amplamente difundidas por vários órgãos de comunicação social referem que apesar de só agora ter sido detectada em Espanha, a referida espécie já é conhecida da ciência há mais de um século e que o primeiro avistamento até aconteceu no mar da Madeira. Terá sido mesmo assim?

De acordo com a imprensa espanhola, o peixe em causa foi visto e filmado (ver vídeo em anexo) a nadar pela primeira vez à luz do dia, em águas pouco profundas, no dia 26 de Janeiro, por uma equipa de biólogos marinhos da organização não-governamental Condrik Tenerife, que realizava uma expedição para o estudo de tubarões e raias nas ilhas Canárias.

O seu nome científico é ‘Melanocetus johnsonii’, mas é conhecido em Espanha como ‘diabo negro’. Na Madeira, particularmente entre os pescadores de Câmara de Lobos, esta espécie e outras parecidas são genericamente designadas de ‘sapos da fundura’. "São peixes aparentados de alguma forma com o tamboril, mas são obviamente de uma família bastante distinta. Vivem em águas bastante profundas. Os pescadores chamam-lhe 'sapos da fundura', porque têm aquela forma arredondada", descreve Manuel Biscoito, ictiólogo (especialista no estudo de peixes) e chefe da Divisão de Ciência da Câmara Municipal do Funchal.

O investigador madeirense refere que estes peixes têm uma característica interessante e que se nota no vídeo captado no final de Janeiro nas Canárias. É que as fêmeas apresentam um dimorfismo sexual muito grande. O primeiro raio da barbatana dorsal está modificado e tem a forma de órgão luminoso na ponta, que o peixe utiliza para atrair as presas. Normalmente os machos são bastante mais pequenos e vivem 'agarrados' às fêmeas e deixam de ter uma vida autónoma. Por vezes, a fêmea transporta um ou mais machos, o que facilita a reprodução no mar profundo.

Apesar do seu aspecto assustador, estes peixes não constituem qualquer ameaça para os seres humanos. Desde logo, porque vivem a 1.000 ou 2.000 metros de profundidade e "em circunstâncias normais não têm contacto" com as pessoas. Por outro lado, trata-se de uma espécie relativamente pequena – as fêmeas medem até 18 centímetros e os machos três centímetros -, pelo que não causa problemas, apesar de ter uma boca grande e dentes bem desenvolvidos. Esta última característica é comum a outras espécies do mesmo meio marinho, como o peixe-espada preto. "Uma vez que há escassez de alimento nestas profundidades, muitos peixes de águas profundas têm tendência para desenvolver dentes muito possantes, para terem a capacidade de agarrar as presas e não as deixar escapar", avança Manuel Biscoito.

O mesmo biólogo refere que, apesar de só agora ter sido filmado à superfície, este "é um peixe já conhecido" dos pescadores madeirenses, particularmente dos que se dedicam à pesca do peixe-espada, que também vive em grandes profundidades. "Eventualmente não será tão raro quanto isso. Simplesmente, os nossos instrumentos não são adequados para colher este tipo de espécimens", adianta Manuel Biscoito. Uma das hipóteses para explicar a sua vinda à superfície do mar é ter gerado gases no processo de digestão, após ingestão de uma presa. Por não ser o seu meio natural, esta espécie normalmente não resiste quando chega ao mar pouco profundo. Foi isso que aconteceu com o peixe filmado nas Canárias no passado dia 26 de Janeiro.

Por fim, o especialista confirma que o 'Melanocetus johnsonii’ teve a sua primeira descrição científica a partir de um exemplar capturado no mar da Madeira a 24 de Dezembro de 1863. A descoberta foi da responsabilidade do ictiologista Albert Günther, do Museu de História Natural de Londres. O nome científico é dedicado a James Yate Johnson, um naturalista que esteve na Madeira no século XIX.

Na colecção científica do Museu de História Natural do Funchal existem "pelo menos 18 exemplares" desta espécie, que foram apanhados ao longo dos anos. O mais antigo foi recolhido em 1953 e o mais recente em 2006.

“O ‘peixe-diabo negro’ vive no fundo do mar entre 200 e 2.000 metros de profundidade. A espécie habita mares tropicais e subtropicais de todo o mundo, tendo sido avistada pela primeira vez nas costas da Madeira” – Artigo publicado no sábado pelo jornal ‘Correio Braziliense’.