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O desporto na Madeira passa pelo orgulho e desafio

A Madeira tem condições únicas para se afirmar como um modelo nacional de boas práticas desportivas

A identidade do povo madeirense reside no esforço, na superação e na resiliência, valores estes que o arquipélago projeta em cada atleta e em cada clube. A Região formou diversos nomes que marcam o desporto mundial, acolhe eventos internacionais de referência e apresenta, ano após ano, números robustos de prática desportiva federada. Por detrás deste sucesso existe um grande desafio, o de como garantir que o desporto na Madeira deixe de ser apenas uma herança e passe a ser verdadeiramente um projeto de futuro?

O desporto madeirense vive numa singularidade geográfica que pode ser vista como uma força ou uma fragilidade. A insularidade implica custos de transporte elevados, calendários competitivos condicionados e uma dependência inevitável do investimento público. Viajar para competir e organizar épocas desportivas, custa mais aqui do que no resto do país. Este fator, frequentemente ignorado no debate nacional, explica por que motivo a Região tem assumido historicamente um papel tão ativo no financiamento dos clubes. O erro não está na dependência do apoio público, mas na falta de uma estratégia que transforme esse apoio em sustentabilidade, profissionalização e aumento de autonomia progressiva dos clubes.

Outro ponto decisivo é definitivamente na formação. A Madeira continua a revelar talento, mas a formação desportiva exige mais do que treino, exige dirigentes e treinadores capacitados, parcerias com escolas e universidades e um investimento contínuo na base, não apenas na elite. É legítimo perguntar se estamos a preparar o talento para chegar ao topo, ou apenas a tentar que não se perca pelo caminho. A Região precisa de um plano integrado que não dependa exclusivamente da boa vontade das instituições, mas de políticas claras.

É neste ponto que a dimensão humana assume importância. Quando olho para o desporto na Madeira, não o faço apenas como observador. Vivi-o na primeira pessoa. Fui um desses jovens que saía da escola diretamente para o treino, muitas vezes sem tempo para lanchar ou respirar. Lembro-me dos dias em que os horários escolares chocavam com a prática desportiva, dos sacrifícios feitos para não falhar com a equipa e das dificuldades que muitos colegas enfrentaram apenas para chegarem ao campo. Vi amigos desistirem porque dependiam de transportes ou porque os custos associados ao desporto se tornavam demasiado pesados para a família. Esta experiência ensinou-me muito sobre o potencial e as fragilidades do desporto madeirense.

Também o acesso ao desporto continua a ser uma barreira. Apesar dos progressos recentes, continua a existir um fosso entre quem tem condições para praticar regularmente e quem fica para trás por razões económicas ou logísticas. Em freguesias mais afastadas, onde não há clubes ou transportes regulares, o desporto passa de direito a privilégio. E esta desigualdade é silenciosa, porque não aparece em tabelas classificativas nem em quadros competitivos, mas está presente em cada jovem que gostaria de praticar desporto e não consegue.

A profissionalização dos clubes é outro dos grandes desafios. Muitas instituições sobrevivem graças a voluntários, lutando para cumprir exigências federativas e manter projetos vivos. O futuro exige maior formação de dirigentes, treinadores, árbitros, gestores e todos os agentes que fazem o desporto funcionar. Um clube estruturado não é apenas aquele que forma atletas, mas o que sabe planear, gerir recursos, captar investimento e criar comunidade.

Por fim, há a dimensão económica e estratégica. O desporto madeirense movimenta turismo, ativa comércio local e projeta a Região no exterior. No entanto, falta definir uma visão de que eventos queremos atrair, que modalidades fazem sentido desenvolver, como garantir que os investimentos públicos se traduzem em benefícios sociais duradouros?

A Madeira tem condições únicas para se afirmar como um modelo nacional de boas práticas desportivas. Tem talento, tem história, tem paixão e tem instituições capazes, mas precisa de dar o passo seguinte, de transformar essa paixão num plano, essa história numa estratégia, e esse talento numa oportunidade para todos, independentemente do código postal, do clube ou da carteira.

O desporto madeirense já mostrou o seu valor. Agora, precisa de um futuro que esteja à altura da sua ambição.