Será possível “viver como um rei” com 1.200 euros por mês na Madeira?
No final do ano passado, residiam na Madeira quase 19 mil cidadãos estrangeiros. Muitos são trabalhadores que aqui desempenham uma actividade profissional. Muitos outros são pessoas reformadas que mudaram a sua residência habitual para o nosso arquipélago, tendo sido atraídas pelo clima e beleza das paisagens, mas também por um custo de vida relativamente acessível em comparação com o dos seus países de origem. Este último aspecto é realçado em muitos artigos noticiosos ou publicitários disponibilizados na Internet. É o exemplo de um artigo publicado no início desta semana no site italiano ‘GreenStyle’, que apresenta a Madeira como “um verdadeiro país” onde se “vive como um rei com pouco mais de mil euros”. Será mesmo assim?
O artigo em causa foi publicado no passado domingo e é assinado pelo italiano Mattia Senese. Logo no início, comete dois erros que não ajudam a conferir credibilidade ao conteúdo. É que para imagem de apresentação de um texto sobre a Madeira foi escolhida uma foto de uma paisagem na ilha vietnamita de Phu Quoc. Além disso, em várias passagens da publicação diz-se que a Madeira é um país.
A determinado ponto do artigo é especificado o valor dos “pouco mais de mil euros” de pensão de reforma que supostamente permitem a um italiano viver “como um rei na Madeira”. “De acordo com relatos de reformados italianos residentes na Madeira, uma pensão mensal de 1.200 euros permite viver com dignidade e tranquilidade”, esclarece o ‘GreenStyle’.
De acordo com os dados mais recentes do Inquérito às despesas das famílias 2022/2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, o custo de vida médio na Madeira para um agregado familiar, o qual pode ser constituído por um ou mais indivíduos, foi estimado em cerca de 22.605 euros por ano ou 1.884 euros por mês para a Região Autónoma da Madeira. Nestes valores estão incluídas as despesas com habitação, água, electricidade, gás, outros combustíveis, alimentação, vestuário, saúde, transportes e outras despesas.
O site Living Cost Index, especializado na comparação de custo de vida em vários países e regiões, estima que o custo de vida médio mensal para uma pessoa solteira na Madeira é de 1.772 euros, incluindo o aluguer da habitação, ou 929 euros se excluirmos o custo da casa. O custo de vida médio mensal para um casal (2 adultos) na Madeira é de 2.381 euros, incluindo o aluguer da casa. Para viver com orçamento limitado na Madeira, as despesas mensais básicas (incluindo aluguer de casa) variam de 1.040 euros para uma pessoa solteira a 1.362 euros para um casal. Para uma vida mais confortável ou de luxo, as despesas mensais estimadas variam de 3.389 euros para uma pessoa solteira a 4.556 euros para um casal.
Portanto, se uma pessoa estiver numa situação em que as despesas principais estão muito controladas (por exemplo, aluguer de habitação baixo, sem dependentes e estilo de vida simples), “pouco mais de mil euros por mês” pode ser o suficiente para uma vida no limite do confortável. Acontece que o rendimento mensal de 1.200 euros mencionado no artigo italiano parece ser o mínimo para viver na Madeira e não o necessário para viver “como um rei”.
Para uma vida com conforto razoável (boa habitação, carro próprio, actividades de lazer e cobertura de despesas imprevistas), todos os orçamentos apontam para valores mais elevados. O guia ‘Move to Portugal’ estima que o custo de vida na Madeira varie entre os 1.100 e os 1.800 euros por mês para uma pessoa, dependendo da habitação, localização e estilo de vida adoptado. Recorde-se que a habitação em zonas centrais ou mais atractivas pode custar muito mais. Ainda este mês, o portal idealista.pt tinha 154 casas e apartamentos para arrendar na Região Autónoma da Madeira e o imóvel mais barato era um estúdio T0, com 26 metros quadrados, num 1.º andar sem elevador na Rua da Levada de Santa Luzia, no Funchal, a 800 euros por mês. Ora, se o aluguer da habitação já consome quase o total do rendimento de “mil euros”, sobra pouco para despesas adicionais.
“Viver como um rei” sugere ter folga financeira, lazer, uma habitação de grande qualidade e bem localizada, viagens frequentes, dinheiro disponível para situações imprevistas. É um estilo de vida que requer mais do que o minimamente necessário para viver.
Em jeito de balanço, concluímos que é possível, num quadro de condições favoráveis (indivíduo solteiro, com habitação barata ou já paga, estilo de vida simples e poucos encargos fixos) viver com pouco mais de mil euros por mês na Madeira e ter uma vida minimamente razoável. Mas se o objectivo for realmente “viver como um rei”, no sentido de estilo de vida faustoso, habitação de qualidade e bem localizada, actividades de lazer frequente, ter pessoas dependentes de si (crianças ou idosos), ter carro próprio, então aquele valor de referência é claramente insuficiente.