A festa das sombras e dos homens-meninos
Oh, estranha moda que o mundo adoptou! De todos os males que a alma moderna abraça, poucos são tão curiosos como esta ânsia de brincar com o escuro. A cada Outubro que passa, multiplicam-se as comemorações, as festas e os encontros onde jovens, e outros nem tanto, se mascaram de bruxas e bruxos, vampiros e lobisomens, julgando-se criaturas da noite, quando mal conseguem ser senhores de si.
Vejo homens feitos e mulheres crescidas, de taça na mão e copo em riste, a celebrar o medo como se fosse libertação. Enchem-se de álcool, enchem-se de ruído, e alguns “ai de nós!” enchem-se também de drogas, essas poções modernas que não transformam ninguém em monstro, mas apenas em refém da própria inconsciência.
Tudo isto, dizem, é “Halloween”, palavra que vem de longe, importada dos Estados Unidos, e que, como erva daninha, foi-se entranhando nas terras de Portugal e do Brasil. Começou inocente, nas escolas de idiomas, onde as crianças aprendiam a dizer trick or treat e a sorrir com dentes de açúcar. Depois, passou às escolas comuns, aos bairros, aos bares, e agora ocupa outubro inteiro, feito ritual de consumo e disfarce.
Oh, costumes do Novo Mundo! Que pressa em vestir o que não é nosso! Antigamente, os homens mascaravam-se no Entrudo e confessavam-se na Quaresma. Agora mascaram-se o ano inteiro e esquecem-se de confessar-se nunca.
O riso tornou-se ruído, e a alegria, pretexto. Festeja-se o terror, mas o verdadeiro assombro está nos excessos. Não há mal em celebrar, mas há loucura em perder-se sob a capa da fantasia, em deixar que a brincadeira vire desatino.
Não condeno o riso, mas o vazio. Porque o que vemos não é celebração do espírito, é fuga da realidade. É o homem moderno, envelhecido no corpo mas não na alma, que se disfarça de monstro porque teme olhar-se no espelho.
Eis o retrato de um tempo que celebra a sombra e esquece a luz. Onde a máscara pesa mais que a face, e o copo fala mais alto que a consciência.
Assim seguimos entre fantasmas e garrafas, entre selfies e feitiços, encantados pelo feitiço do estrangeiro e cegos para o desencanto de nós mesmos.
Que cada um, ao menos, saiba tirar a máscara antes de dormir. Pois o verdadeiro horror não está na noite de Halloween…
Está em acordar todos os dias sem se reconhecer ao espelho.
Gregório José